Ao pensar e escrever breves parágrafos sobre informação em museus, gostaria de contribuir para demonstrar que estes devem ter como uma das suas prioridades a criação de sistemas de processamento e de largo acesso não só dos acervos que gerem, como também do conhecimento que são capazes de produzir – em particular através de estudo e interpretação do património natural e cultural – sobre a relação do homem com a natureza e com o meio em que vive.
“Museus (memória + criatividade) = progresso social” é o lema da jornada internacional dos museus (18 de Maio) em 2013, para a qual o ICOM (International Council of Museums) convoca a participar milhares de museus e de profissionais e milhões de pessoas que em todo o mundo utilizam e frequentam museus e sítios patrimoniais. Será também a temática central da conferência trienal que no próximo mês de agosto se realizará no Rio de Janeiro e, pela primeira vez na história do ICOM, num país de língua portuguesa. Aquela espécie de equação reflecte de forma positiva (optimista, diga-se) o papel que os museus podem ter na transformação da sociedade, quando, para além de conservarem os acervos e as memórias do passado, eles próprios, de forma criativa, conseguem adaptar-se à mudança, aplicar novos métodos e constituir instrumentos indispensáveis à vida e ao futuro das comunidades.
A maioria absoluta de museus existentes em todo o mundo, e também em Portugal, baseia a sua missão, de forma explícita ou implicitamente, na função da preservação de um património incorporado – as colecções ou acervo museológico. Também no nosso país, um grande esforço, tem sido empregue em iniciativas para tentar centrar nos públicos o trabalho dos museus e para a integração territorial ou a interacção com grupos da população ou comunidades. Numa conjuntura recente, de construção da Rede Portuguesa de Museus, conheceu-se uma visão, acompanhada de um conjunto coerente de medidas normativas e práticas, que propiciaram o progresso de museus e se repercutiram no desenvolvimento cultural e patrimonial do país, ajudando a mudar significativamente a relação entre museus e comunidades. Ainda que ambiguamente recepcionado, o termo generalizou-se e hoje a maioria dos profissionais – e até das tutelas – empregam o termo função social, como objectivo geral dos museus.
© EMS/CDI – Rosa ReisGraças às tecnologias e ao interesse universal sobre os usos da memória e do património, as instituições e os profissionais deste sector em expansão dispõem de ferramentas cada vez mais aperfeiçoadas – e complexas – para processar e gerir a informação. Mas no presente contexto, em que diminuem, nalguns casos drasticamente, os recursos atribuídos à cultura, ao património e aos museus, não se antevendo a inversão desta tendência por parte das políticas públicas, torna-se tanto mais necessário e urgente fazer o diagnóstico dos problemas de cada instituição, ao nível das colecções ou acervos, dos meios técnicos e humanos e dos métodos de trabalho e sistemas de funcionamento, tendo em atenção as relações entre deontologia (ou ética profissional), teoria e prática. Que acervos estão por registar ou por inventariar e por digitalizar; que tratamento documental e de conservação requerem, quantitativa e qualitativamente, para se tornarem acessíveis aos diferentes tipos de interessados (públicos); que projectos foram já realizados, avaliados ou existem para a restituição de património às suas comunidades de origem; que redes de conhecimento foram ou estão a ser constituídas para melhorar a rendibilidade dos sistemas de informação; qual o contributo de cada museu, através das suas colecções, para uma ou várias áreas de desenvolvimento científico disciplinar; como ampliar o acesso e a comunicação do património (considerando a falta de recursos específicos para a comunicação expositiva); como gerir sustentavelmente os acervos, não excluindo aquisições ou doações e considerando transferências e afectações delineadas por políticas de incorporação actualizadas; eis alguns tópicos, para reflexão, discussão e decisão, caso a caso, em equipas multisiciplinares e praticando as parcerias pertinentes e necessárias. Sem identificar os problemas e sem traçar um quadro da situação geral, a partir dos casos particulares, os decisores arriscam medidas aleatórias e desperdício de recursos. É essencial que neste processo se convoquem formalmente os profissionais (dentro e fora das instituições e organismos públicos) e as organizações que os representam, para trabalharem nos diagnósticos, nos relatórios e, é claro, nas propostas de trabalho, instrutoras de decisões.
No quadro de uma planificação e programação museológica própria e inscrito no seu modelo de gestão, cada museu requer a concepção e o funcionamento dinâmico de um sistema de informação e documentação. Neste tipo de sistema, as normas e os procedimentos, os instrumentos e os recursos documentais têm de ser integrados com as tipologias e a quantidade de acervo que o museu detém, não só como objecto de investigação, mas utilizável em contexto museal alargado (no contexto territorial ou de modo inclusivo perante as comunidades). Só assim o sistema contribuirá para conferir coesão e unidade de propósito a todos os elementos do acervo, material e imaterial, ligados à missão, à vocação e aos objectivos do museu e que definem a sua função social. O sistema de informação e documentação do museu, principalmente se contar com acervos digitalizados, conferirá a possibilidade de relacionar de forma holística os vários inventários de património e de colecções incorporadas administrativamente, quer tratando-se de bens imóveis, quer de bens móveis (quaisquer que sejam as tipologias) e integrados, associando-lhes em qualquer dos casos, sempre que pertinente, a vertente patrimonial imaterial.
É muito importante que os museus confiram à sua programação o já referido equilíbrio entre os eixos de preservação e de comunicação e que tal seja igualmente reconhecido no modelo de gestão, que enquadra a produção e circulação de informação e, de modo abrangente, o funcionamento do museu. Juntamente com a política de incorporações e o programa de conservação, o sistema de informação e documentação torna-se fulcral não só para a preservação e gestão do acervo, como para o seu balanço equilibrado com a comunicação. O inventário museológico, para além de uma rigorosa enumeração de bens naturais e culturais que constituam acervo do museu, deve ser uma síntese da descrição e da documentação científica produzidas sobre aqueles objectos tridimensionais, documentos ou manifestações culturais associadas, num contexto programático, museal, específico. Enquanto ferramenta e método de trabalho imprescindível ao museu, o inventário tem importância administrativa, científica, documental e de gestão, devendo aplicar-se a todos os documentos/objectos que constituem o acervo museológico, sob os critérios de selecção inscritos na sua política de incorporações. É portanto essencial que esta reflicta e conceptualize de forma inovadora o objecto museal, na instituição e num tempo especificamente definido. Aspectos que de igual modo devem fazer parte de um diagnóstico e da elaboração ou actualização de um plano de informação e documentação em museu. É no sistema de informação e documentação que se articulam os eixos de preservação e de comunicação, de acordo com os recursos e os profissionais, as áreas de investigação, os parceiros e as redes de trabalho, os destinatários e os públicos, atendendo à inserção territorial ou comunitária do museu.
Graça Filipe
Vogal da Direcção do ICOM-PT. Técnica superior do Ecomuseu Municipal do Seixal – Câmara Municipal do Seixal. Docente da FCSH-UNL (assistente convidada: Museologia, Património). Investigadora integrada no Instituto de História Contemporânea da FCSH-UNL (Economia, Sociedade, Património e Inovação). Doutoranda em História (Especialidade História Contemporânea) na FCSH-UNL. Mestre em Museologia e Património (FCSH-UNL). Licenciada em História (FLUL). Pós-graduada em Museologia Social (UAL).