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Catedral de Uspenski e Porto de Helsínquia

No Congresso da IFLA a dificuldade está em escolher o que se quer ver e ouvir e com que pessoas se quer falar no final das sessões. Como alguém dizia na sessão para newcomers (participantes que estão pela primeira vez num Congresso da IFLA) é muito importante vir à IFLA ouvir as apresentações e ficar informado sobre as actividades, projectos e investigações. Mas mais importante é conhecer os colegas, falar com as pessoas e iniciar contactos profissionais – as possibilidades de networking são a grande mais-valia destes congressos.

Por aqui, e ao longo destes dias parece-nos que os bibliotecários do mundo estão reunidos a conspirar. Algo de grande dimensão está para acontecer à escala planetária.

Mesmo depois de se ter planeado com antecedência todos os dias do Congresso com o iPlanner (ferramenta muito útil disponibilizada pela organização) , houve a necessidade de rever algumas opções. São tantos temas actuais, tantas pessoas interessantes, tantos projectos inovadores e tantos resultados de estudos recentes que a escolha é o mais difícil.

Uma vez que tivemos a oportunidade de viajar em conjunto pareceu-nos lógico desdobrar a nossa participação em sessões diferentes – naturalmente de acordo com os preferências pessoais – para que pudéssemos assim trocarmos experiências e pontos de vista e assim potenciar ao máximo da experiência de estar neste Congresso. Assim, após a sessão de abertura, dividimo-nos entre as sessões Building Strong Library Association (BSLA) and IFLA ALP e o painel How to get Published.

Na primeira sessão, a coordenadora, Fiona Bradley, apresentou os objectivos e as áreas de actuação deste grupo que criou um programa com a intenção de desenvolver competências junto dos profissionais para fortalecerem ou até criarem associações de bibliotecas/bibliotecários. Com base num programa piloto aplicado em 6 países, este programa oferece uma aproximação estratégica e organizada com vista à construção de associações sólidas e sustentáveis e que poderá ser aplicado a associações, bibliotecários ou às comunidades de profissionais.

Este programa inclui os seguintes módulos: formações sobre criação e desenvolvimento de associações de bibliotecários/bibliotecas, estudo e explicação dos documentos base da IFLA, aconselhamento e consultoria sobre acordos e parcerias, estabelecimento de projectos em conjunto com outras associações e uma plataforma online para acesso à distância aos materiais e aos formadores.

Apesar de nesta fase o programa ter sido apenas aplicado em países onde as associações não existiam ou tinham pouca expressam, os resultados obtidos mostram que parte desta metodologia pode ser aplicada a outro tipo de associações com vista a assegurar o seu crescimento e sustentabilidade.

Numa sala ao lado, no painel constituído por especialistas na área da edição pretendeu-se dar uma panorâmica geral sobre o processo de publicação de artigos científicos.

A primeira mensagem aos participantes foi de encorajamento para que escrevam mais. Temas como as bibliotecas, a literacia, o acesso e a disseminação de informação, entre tantas outras áreas que estão no nosso âmbito de acção, têm uma forte procura. A existência deste mercado dá fortes garantias de ver um trabalho desta natureza publicado numa revista especializada com um número muito considerável de leitores.

A discussão partiu daí para os processos de construção de um artigo científico. Que erros evitar, que revista escolher, como funciona o processo editorial e de peer review e, por último, como funciona o processo de publicação.

A reter ficou a ideia de que mesmo não se sendo fluente em inglês, este não deve ser um impedimento à submissão de artigos. Existem equipas nas comissões editoriais que poderão assistir nesse processo, caso o artigo seja considerado de interesse para publicação.

Vivem-se tempos de mudança de paradigma. Enquanto há 20 anos as comunicações circulavam num círculo restrito de poucas pessoas, hoje em dia há uma forte possibilidade de uma comunicação ser um ponto de partida para um artigo bem estruturado para uma audiência internacional. Um artigo bem estruturado é aquele que apresenta resultados e análises, mas que parte para uma boa discussão e para conclusões sólidas. Mais do que sobrecarregar um texto com dados, é necessário discuti-los. Já no campo da forma da linguagem utilizada recomenda-se não cair no excesso de escrever “para doutores”, como foi referido. Um artigo simples com um princípio, meio e fim consistentes pode ser um grande sucesso.

Da parte da tarde – e sem muito tempo para almoçar – dividimo-nos entre as sessões: Statistics and evaluation crisis? What crisis? The use of statistics and data for libraries at a turning point e Sleepwalking into a control society?

Na primeira sessão foram apresentados 5 projectos sobre como os dados estatísticos servem para justificar a existência de bibliotecas em diferentes contextos e de múltiplas formas.

A sessão começou com uma apresentação de dois colegas da Biblioteca Nacional da República Dominicana (2nd. National Census of Dominican Libraries: vital statistics at a turning point) que relatam a sua experiência na realização de um Census às 1500 bibliotecas existentes no país. Este Census pretendia ter uma imagem o mais fiel possível do estado das bibliotecas, tendo recolhido dados sobre datas de construção de edifícios, número de recursos humanos, equipamento existentes, colecção, mobiliário ou condições de higiene e segurança no trabalho. Este estudo foi elogiado pelo Coordenador do Comité de Estatística e Avaliação da IFLA, que referiu o rigor da metodologia adoptada e a necessidade de aplicar este método a todos os países.

Seguiu-se uma apresentação feita por um colega da Stuttgart Media University, na Alemanha, (Supporting strategic change through statistics of virtual library usage) que falou sobre a necessidade de continuar a recolher dados estatísticos sobre utilizadores e obras consultadas mesmo quando falamos de bibliotecas digitais. Com base numa simples linha de código inserido na construção da página HTML é possível apurar dados estatísticos que ajudam a justificar a necessidade da biblioteca real. Este projecto surgiu da necessidade que uma biblioteca teve de justificar a sua existência física, face a uma grande diminuição do número de utilizadores presenciais, como consequência de uma digitalização massiva das suas colecções.

Measuring the public library’s societal value: a methodological research program foi o título da apresentação que dois colegas holandeses fizeram para mostrar os resultados preliminares de um estudo que pretendia mostrar a necessidade e a utilidade da biblioteca pública numa fase de redução de orçamentos e de crise generalizada na área da cultural.

Uma colega norte-americana do OCLC apresentou um modelo de gestão e avaliação de bibliotecas universitárias baseada nos utilizadores: User-centered decision making: a new model for developing academic library services and systems. Este modelo baseado numa metodologia bastante rigorosa de contactos regulares com os estudantes permitiu identificar as principais vantagens e desvantagens do serviço, ao mesmo tempo que identificou as principais oportunidades e desafios. De uma forma geral, confirmou algumas das nossas expectativas quanto à visão que a maioria dos estudantes universitários tem das bibliotecas e em especial dos bibliotecários. Pelo contacto regular com os alunos permite fazer uma comparação e evolução das opiniões e aferir das alterações efectuadas na biblioteca.

Importa referir que de uma forma geral todas as comunicações desta sessão procuraram mostrar como os dados estatísticos, apresentados de forma responsável, podem ser os grandes aliados das bibliotecas, sendo que não existe uma metodologia ideal para todas as realidades devendo ser adaptadas conforme a biblioteca, as necessidades e os objectivos a atingir.

Consultar estas comunicações em: http://conference.ifla.org/ifla78/session-76

A outra sessão da tarde – Sleepwalking into a control society? foi muito participada. Organizado pelo Comité para o Livre Acesso à Informação e à Liberdade de Expressão (FAIFE), teve como tópico a tomada de consciência e a urgência na definição de políticas que protejam a tentativa de controlo pelos Estados sobre as actividades online e pelas corporações que alimentam a Internet.

Foi recebida com muita expectativa a comunicação de Siva Vaidhyanathan, autor de The Googlization of Everything (and why we should worry) e conhecido por ser um forte opositor do projecto de digitalização da Google Books, uma vez que é contrária à doutrina do uso justo.

A partir da reflexão do artigo da Wired Magazine “The Web is dead“, Vaidhyanathan diz não saber como serão os media e toda a infraestrutura que sustenta a Internet nos próximos anos. Por outro lado, é inegável que há uma tentativa de politizar e regular o seu uso presente e futuro. Sob a máscara da protecção dos direitos de autor, os direitos de privacidade dos cidadãos estão a ser postos seriamente em causa e têm sido várias as tentativas de regulamentar a monitorização das actividades online nestes anos mais recentes.

No entanto, a ideia de uma Internet livre foi sempre um sonho – considera.  A Internet sempre foi regulada pelo código-fonte, pelos domínios de endereços, pelos servidores e pelas grandes empresas como o Google e o Facebook.

Estas companhias, nas quais também se incluem a Apple e a Microsoft estão todas à procura de um objectivo a longo prazo. Trata-se não só de controlar computadores e dispositivos electrónicos, mas de criar um novo sistema: O Sistema Operativo das nossas vidas que poderá assumir a forma de um telefone, um par de óculos ou um automóvel.

Esse dia está cada vez mais próximo. Já não existe um espaço distinto entre o ciberespaço e o que chama “embed daily life”. Estar online é já o quotidiano e não uma abstracção que se pode ligar e desligar.

Vaidhyanathan refere que o Google definiu para si próprio o papel de chief-editor de toda a Internet e que, nos últimos dois anos, mudou significativamente a sua forma de actuar não protegendo nem o utilizador nem a liberdade na Internet e dá exemplos: A empresa mudou a política de resultados de pesquisa em seu próprio benefício; e ainda há poucos dias anunciou que irá despromover resultados que, alegadamente, comprometam os direitos de autor. Isto é uma mudança muito significativa de paradigma e que será necessário travar uma batalha política, na qual os bibliotecários não podem deixar de participar nas fileiras da frente.

Um outro aspecto que teve bastante impacto nesta sessão foi o facto do orador seguinte, Erkan Saka, de origem turca, ter relatado a sua experiência difícil com a obtenção de um visto para que pudesse estar em Helsínquia neste Congresso. Esta sessão, que foi divulgada por webstream foi censurada na Turquia. Deu-nos também conta que mais de 20.000 websites estão barrados neste país por razões obscuras.

No entanto, faz entender que este não só um problema dos países mais ou menos democráticos, ou com uma democracia híbrida como é o caso do seu país. Sarkozy levou o assunto do controle da Internet para a agenda do G20. Em 2011, durante os motins de Londres houve a tentativa de encerrar as redes sociais chocou os londrinos. [num acrescento pessoal, recentemente durante os protestos em Espanha dos funcionários públicos, o governo espanhol terá alegadamente forçado o Twitter a retirar a hashtag – que era a palavra de ordem para os protestos –  dos topic trends em Espanha, quando esta aparecia em lugar de destaque noutros países].

Isto leva a que se questione sobre até que ponto a censura está firmemente estabelecida nas ditas sociedades democráticas. Qual é a tendência para a censura e qual deverá ser a resposta por parte dos que defendem o acesso à liberdade de informação e expressão?

Existe uma forte reacção do mundo para que esta censura seja levantada, independentemente de se tratar de países com uma democracia mais consolidada ou mais frágil (ou sem democracia tout cours).

As reacções contra esta monitorização fizeram-se sentir através de ataques cibernéticos localizados sem precedentes a instituições que pretendiam levar a cabo esse controle, houve também protestos na web através da inclusão de fundos páginas a negro em sinal de protesto e como forma de alertar os seus visitantes. No entanto, a lista negativa de acções em favor de um maior controlo é claramente maior do que estas acções pontuais. Claramente se observa mais invasão à privacidade dos cidadãos através da sua monitorização, da censura dos media, da utilização de filtros e bloqueios, e da tentativa de regulamentar o uso da Internet através de acordos internacionais (SOPA, PIPA, ACTA, etc.)

Saka, termina com um paralelo com o que foi dito por Helena Ranta na sessão inaugural quando se referiu ao genocídio não ser a morte de milhares de pessoas, mas a morte de uma pessoa atrás de outra. No caso da web, a tentação de a controlar está a matar um a um os direitos de liberdade de expressão e acesso à informação dos cidadãos.

Nesta sessão foi também apresentada publicamente por Paul Sturges o Código de Ética para Bibliotecários e outros Profissionais de Informação. Este documento  levou três anos a ser concluído e é, no fundo, uma profunda revisão dos códigos já existentes. Não se pretende substituir aos códigos de ética nacionais já existentes, mas são guidelines para a escrita de novos códigos que necessitem ser actualizados.

Este código pretende também tornar a nossa profissão mais madura. Uma profissão de olhos abertos, sem que sejamos sonâmbulos (sleepwalkers), por forma a sermos mais respeitados e ouvidos.

A respeito disto, uma das decisões do caucus alemão foi a de traduzir este documento para esta língua. O caucus português deveria ter seguido o exemplo.

Seguiram-se, duas sessões mais leves e descontraídas sobre o programa Banned Books Week da ALA, que passou a contar recentemente com o programa similar na Europa com a participação de bibliotecários finlandeses.

A finalizar, foi apresentada uma síntese dos 10 factos que precisamos saber sobre estas matérias, a saber:

1. A Internet grátis morreu – as condições de a controlar globalmente já foram estabelecidas;
2. Os países Ocidentais têm recorrido a um excesso de defesa justificável;
3. Complexidade da censura na Internet e da vigilância dos dados;
4. Criminalização da vida diária;
5. Sociedade de informação ubíqua  e gestão alargada de pessoas e objectos;
6. Base de Dados do Cidadão – uma nova forma de cidadania;
7. Privatização do controlo da Internet;
8. Direitos de autor e patentes restringem o acesso à informação;
9. O papel das transferências do controlador para diversos actores;
10. Desafiando os direitos civis e a democracia;

Consultar estas comunicações em: http://conference.ifla.org/ifla78/session-75

Em conclusão: Este foi um dia especialmente rico e longo,  com  a discussão de assuntos que estão no topo da ordem do dia para as bibliotecas e os bibliotecários.

Alguns colegas (especialmente os mais novos na profissão) não se deram por satisfeitos com o encerrar das portas do Centro de Congressos e convocaram via Twitter encontros pós-Congresso. Bibliotecários andam à solta pelas ruas de Helsínquia a congeminar planos para dominar o mundo.

Bruno Duarte Eiras e Miguel Mimoso Correia
em Kaivopuisto, Helsínquia

 

 

[Nota: Este texto não refere a totalidade das apresentações realizadas no Congresso, mas apenas um resumo das sessões assistidas e dos pontos que nos pareceram mais interessantes. Os links fornecidos poderão não ter as informações completas, uma vez que ainda não terminou o Congresso].

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