O Prémio Raul Proença, edição de 2012, foi entregue à vencedora, Maria Morais, em cerimónia que teve lugar na Biblioteca Nacional de Portugal, no dia 29 de Março de 2014.
O prémio, com o valor pecuniário de 2.500 euros, foi entregue por José Manuel Cortês, director-geral da Direcção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, entidade que o patrocina. A apresentação do trabalho vencedor foi feita por Maria Paula Santos, ex-presidente da BAD, e, nessa qualidade, igualmente presidente do júri que o escolheu.
Nessa oportunidade a galardoada proferiu as palavras de aceitação e agradecimento que a seguir se transcrevem na íntegra.
Estou muito contente. Sabe muito bem vermos o nosso trabalho reconhecido. Sobretudo quando somos tão anónimos quanto o pseudónimo com que eu concorri a este Prémio. Numa altura em que o que mais se escuta é o NÃO – não, não é possível, não, não vais ter apoio, não, não vais encontrar ninguém interessado, não há dinheiro, ninguém quer saber, isto está tudo viciado, não há nada a fazer, oh, isto é muito complicado e, pior que tudo, isso não vale a pena, pá; na época do «isso não vale a pena, pá», sabe muito bem que nos confirmem que, ah, afinal vale a pena, pá.
Obrigada, BAD – Associação Portuguesa de Bibliotecários Arquivistas e Documentalistas, por continuarem a incentivar a investigação e a dignificar o trabalho dos profissionais destas áreas tão pouco mediáticas.
Obrigada DGLAB – Direcção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, pela gratificação financeira. Apesar de ter tido uma educação muito pouco materialista, tenho constatado que o dinheiro não é um detalhe. Quem quer fazer perguntas por conta própria, quem se aventura a investigar ou a criar qualquer projecto independente na área cultural, social, artística sabe muito bem que o primeiro obstáculo a equacionar são os custos. Tentamos mentalizar-nos dizendo que não é uma despesa, é um investimento (a fundo perdido) – propinas, deslocações, equipamentos, livros, tinteiros, impressões, encadernações especiais e muito tempo, que, segundo dizem, é dinheiro… etc., etc. Investigar não é, infelizmente, uma actividade «sustentável». Por isso, muito obrigada, BAD/DGLAB, pelo vosso sentido prático e pelo prémio pecuniário.
Agradeço-vos também, pela visibilidade que este prémio traz a um estudo que, antes de mais, pretende ser útil. Não me agradaria que tanta reflexão, tanta informação, tantas palavras e tanta gente envolvida – testemunhos, opiniões, experiências – ficassem apenas nas prateleiras da minha casa, ou da BN ou da BMB. É muito importante para mim poder devolver este trabalho, partilhá-lo e, para isso, falar-se dele, porque recebeu um Prémio, talvez seja o primeiro passo.
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O trabalho com que me candidatei ao Prémio Raul Proença e que dá pelo nome “As bibliotecas itinerantes como veículo de aproximação às comunidades de meio rural. O caso da Biblioteca Andarilha – extensão móvel da Biblioteca Municipal de Beja” é integralmente constituído pela minha dissertação de Mestrado e resultou de uma investigação académica realizada entre 2010 e 2012 no âmbito do Mestrado em Ciências da Documentação e Informação – Ramo de Biblioteconomia – da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, faculdade esta onde decorreu a sua defesa pública em Janeiro de 2013.
Ao longo deste estudo – do processo de investigação, de recolha, compilação e tratamento de dados, e da redacção final – pude contar com a valiosa e desinteressada ajuda de várias pessoas, a quem quero agradecer, aproveitando o tempo de antena que me está a ser dado – a ordem destes agradecimentos não é hierárquica, nem alfabética, nem cronológica:
- À minha professora Margarida Pino, da FL-UL, a quem devo a orientação científica e pedagógica da minha tese de mestrado – pelo seu encorajamento e pela amizade; por não me ter autorizado a desistir; e por me ter aconselhado a concorrer a este prémio;
- Ao Professor Paulo Alberto, também da FL-UL, então director do curso e responsável pela orientação formal desta tese – pelo seu pragmatismo, paciência e generosidade;
- À Sandra Miguel, que talvez não saibam, mas foi a “inventora” da Biblioteca Itinerante de Marvão, mas cujo trabalho tem sido, entretanto, injustamente esquecido – por me ter passado o bichinho das itinerantes e pelas primeiríssimas informações;
- Ao Nuno Marçal e ao João Henriques, e não sei porquê estas 2 nomes aparecem-me sempre juntos, talvez porque sejam as pessoas mais apaixonadas por bibliotecas itinerantes que eu conheço – obrigada pelo vosso enorme investimento pessoal na divulgação e salvaguarda das bibliotecas ambulantes, pelas preciosas informações que me forneceram sem qualquer reserva e obrigada, Nuno, pelo teu exemplo;
- À Cristina Taquelim, da Biblioteca Municipal de Beja, mentora do projecto da Biblioteca Andarilha e do Programa de Leitura em Meio Rural – pela sua visão verdadeiramente R/x, pela sua abertura, pelas orientações técnicas, e pelas suas palavras, sempre taquelincantes;
- À Helena Ribeiro e à Susana Gomes, da Biblioteca Andarilha – pela generosíssima colaboração, pela disponibilidade e pela infinita paciência. Helena, a tua endurance é simplesmente… alentejana… e exemplar;
- À Maria Helena Melim Borges, da Fundação Calouste Gulbenkian, pela disponibilidade e pelas informações em primeira mão;
- À Maria Paula Santos, então directora da Biblioteca Municipal José Saramago, pela sua ligeireza e informalidade e por ter facilitado todos os processos;
- Ao Pedro, meu companheiro, pelos mapas todos, pela apoio incondicional e por me ter socorrido nos momentos de aflição;
- À minha sobrinha Mariana, ao Nuno Louro e ao Tiago Pereira pela ajuda com as normas, guias, gráficos, traduções e etc.;
- À minha mãe, por nos semestres mais sombrios, me ter ajudado a pagar as propinas;
- À Judite e às minhas irmãs Rita e Lia, por aquilo que não é preciso dizer.
- A todas as bibliotecas municipais que responderam ao meu inquérito de 300 páginas;
- E, finalmente, quero deixar um agradecimento muito especial a todos os leitores da Andarilha que me deram um bocadinho do seu tempo e das suas histórias.
Para além de me ter dado a alegria de dialogar, em carne e osso, com estas pessoas a quem acabo de agradecer, este estudo também me deu o prazer de conhecer, indirectamente, uma série de investigadores, teóricos e profissionais destas coisas da leitura pública, entre os quais um senhor, já morto, chamado Branquinho da Fonseca, que sonhou e dirigiu a primeira biblioteca itinerante portuguesa, a de Cascais, e o paradigmático projecto do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da FCG e que se tornou praticamente o meu herói (a seguir ao José Afonso, claro, e ao Michel Giacometti, e ao Leonardo da Vinci e à minha Avó).
E também conheci, já mais para o fim da minha investigação, uma senhora, chamada Aurora Cuartero, contemporânea de Branquinho da Fonseca, vanguardista igualmente, jornalista e bibliotecária espanhola, que nos anos 50, em pleno franquismo, distribuía livros aos habitantes dos subúrbios de Madrid e que se lembrou de fazer em 1953 ou 54 uma afirmação extraordinária que eu gostava de partilhar convosco, e que é a seguinte:
As bibliotecas móveis são para os bibliotecários o mesmo que as antenas são para os insectos.
Eu tenho um fraquinho por metáforas, e esta metáfora dos insectos não mais me saiu da cabeça…
Os insectos são ágeis, velozes, resistentes, transformam-se, adaptam-se e, por isso, sobrevivem.
Para além de muitas patas para andarem, pelo menos seis, os insectos têm asas, o que lhes dá a capacidade de fugirem aos engarrafamentos, claro, e de sobrevoarem, de observarem a realidade com algum distanciamento e isenção, podendo, a qualquer momento poisar no lugar certo e na hora certa para irem ao encontro daquilo ou daqueles com quem precisam de interagir. Por outro lado, as asas também costumam estar associadas à capacidade de sonhar, o que não me parece ser, nos dias que correm, uma competência a subestimar.
Nas patas, os insectos costumam levar, mesmo sem quererem, grãos de pólen, sementes com que fertilizam as florestas e os campos; que depois nos dão de comer a todos – e ninguém chama a isto serviço público. Agrada-me pensar nos livros como parte destas sementes que as bibliotecas podem levar consigo e distribuir, de forma natural e indiscriminada.
E depois, há as antenas – o órgão mais sensível dos insectos, que lhes permite obter um sem número de informações, com uma antecipação e apuramento excepcionais.
Ao contrário destas implacáveis criaturas, e como é sabido, as pessoas não têm antenas. Não sei se alguma vez as tiveram e se entretanto as terão perdido. Mas creio que, actualmente, o órgão que mais parecido temos com aquele sensibilíssima e refinada ferramenta é mesmo o coração.
Por isso, eu queria dedicar este Prémio a todos os bibliotecários – mas não só, porque uma biblioteca não se faz apenas de bibliotecários -, a todos aqueles que souberam e aos que ainda sabem trabalhar com o coração, continuando a acreditar e a empenhar-se, pacientemente, na construção de uma sociedade mais justa.
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E se ainda tiver uns minutos de antena, gostaria de deixar mais uma nota:
Tal como a Biblioteca Andarilha, muitas outras unidades itinerantes em Portugal lutam por subsistir, numa altura em que a quantidade de pessoas atingidas (não importa como) e a rapidez e espectacularidade dos resultados parecem ser o único critério para a preservação ou extinção de certos serviços públicos. Tendo em comum a tipologia de veículo utilizado e o objectivo de promover uma maior igualdade espacial no acesso à cultura, as bibliotecas móveis em funcionamento no nosso país servem, porém, realidades muito diversas, têm enquadramentos institucionais distintos e, mais do que de políticas concertadas, resultam de circunstâncias locais, não participando de uma estratégia nacional para a Cultura. Por outro lado, conhecem-se mal entre si, dispondo como referência quase exclusiva a experiência do SBI da Gulbenkian – extinto há mais de uma década e recessivo há pelo menos 4 – ou o exemplo das modernas unidades móveis espanholas, realidade que se encontra a anos luz da nossa, não só pela escala em que operam, como pelos meios, estatuto e cumplicidade politico-institucional de que dispõem.
Para além da identificação, caracterização e divulgação das bibliotecas itinerantes em funcionamento em território português que cremos ser fundamental efectuar-se, parece-nos da maior necessidade a avaliação do trabalho feito e a fazer – tanto quantitativa como qualitativamente –, com a disponibilização de ferramentas que permitam aos técnicos e às bibliotecas medir os impactos destes equipamentos na evolução das competências e dos hábitos leitores e na qualificação dos públicos; ferramentas estas que podem ajudar a corrigir direcções, mas também a criar uma terminologia comum que facilite a leitura dos problemas e das soluções à escala regional e nacional e que garanta às equipas, aos equipamentos, aos projectos e aos públicos-alvo a necessária autonomia em relação aos timmings e às prioridades da(s) agenda(s) política(s).
Por fim, e num trabalho com tantas implicações humanas e sociais e não menos dificuldades operacionais, parece-nos da maior importância uma mais alargada e regular partilha da experiência ambulante em Portugal interpares e interdisciplinar, que possa contribuir para a potencialização de recursos e para combater o isolamento profissional e humano em que muitos dos técnicos envolvidos nestes projectos se encontram, qualificando-os não só enquanto mediadores e distribuidores, mas também como potenciais produtores de cultura, lado a lado com as populações que pretendem servir, e que, já se vê, não são meros consumidores.
E é tudo. Muito obrigada, mais uma vez.