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Centro Cultural de Belém. Foto de Miguel Mimoso Correia

Entre os dias 15 a 17 de Abril teve lugar, no Centro Cultural de Belém, a iniciativa do Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, o primeiro Fórum Internacional “O Lugar da Cultura: modelos e desafios”. No dia 17 ocorreu a conferência sectorial organizada pela Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), onde foi discutida a “Política do Livro e das Bibliotecas”. Organizada em três momentos onde se discutiu “o espaço das bibliotecas em Portugal”, “as novas tecnologias e modelos de leitura” e as “estratégias para o futuro da leitura pública”, esta conferência terminou com a entrega do “Prémio de Boas Práticas em Bibliotecas Públicas”, instituído pela primeira vez pela DGLAB.

30 anos da rede de bibliotecas públicas: da utopia ao esgotamento de um modelo

No sessão dedicada às Bibliotecas Públicas, Filipe Leal, da Rede de Bibliotecas  Municipais de Oeiras, apresentou as suas ideias sobre a concretização de uma biblioteca utópica, aproximando-a das reais necessidades actuais dos cidadãos numa lógica de pensamento global com actuação local. Foram apontadas várias razões para a estagnação em que as bibliotecas parecem ter mergulhado: a falta de estratégia, a necessidade de reforma na organização das bibliotecas públicas, o afastamento da administração central do seu papel regulador, a inexistência de linhas de financiamento, a urgência de se repensar o modelo de organização da gestão da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas e, sobretudo, a acção quer do poder local, quer dos profissionais de informação que deveriam ter uma atitude pró-activa e empreendedora na redefinição de serviços e reciclagem de conhecimentos numa época de uma inevitável desmaterialização das bibliotecas.

Zélia Parreira, naquele que foi o discurso mais aplaudido da sessão, percorreu o caminho de trinta anos de desenvolvimento da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas em Portugal, baseada sobretudo na construção de edifícios sem a preocupação de um modelo de funcionamento que lhe garantisse sustentabilidade e um futuro. Segundo a Directora da Biblioteca Pública de Évora o diagnóstico há muito que está desenhado: “A rede não existe. Um conjunto de pontos num mapa não se pode chamar rede, porque falta o elemento essencial: as ligações.” – afirma. A era da construção de edifícios terminou e deve passar-se a uma fase de construção “de pequenas redes que se interligarão entre si” constituindo-se assim a rede nacional. A transformação terá também de passar pela redefinição da missão, ajustada aos tempos modernos e na orientação para os serviços prestados que deverão ter princípios comuns que há muito estão consagrados pela IFLA. Por outro lado, Zélia Parreira defendeu a valorização formativa e profissional, quer através da reformulação dos cursos em Ciências Documentais existentes, como da requalificação de profissionais já formados. Insurge-se contra o que chama de “bibliotecários-carpideira”, que se limitam a queixar-se de tudo e de todos sem serem agentes de transformação do status-quo.

A biblioteca no contexto do ensino

José Augusto Bernardes, Director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, referiu a dificuldade em justificar,  junto dos decisores, o papel das bibliotecas universitárias, num momento em que se privilegia a informação em linha. Para José Bernardes, a biblioteca é um lugar privilegiado para desenvolver a curiosidade e a interdisciplinaridade , onde o aluno alcança a “perseverança lenta” através do livro (por oposição ao zapping intelectual) e onde se cultiva um pensamento próprio. Para Bernardes, as bibliotecas são lugares por excelência do silêncio, da liberdade e da resistência.

O balanço feito pelo Comissário Nacional do Plano Nacional de Leitura, Fernando Pinto do Amaral, mostrou uma visão mais optimista sobre o projecto da Rede de Bibliotecas Escolares. Não obstante os condicionalismos existentes, aqui a rede funciona e consegue, na grande maioria dos casos, articular-se com as demais. São “lugares vivos e de abertura de horizontes” e que não são vistos como um arquivo, mas como lugares de suporte à aprendizagem, apoio escolar, desenvolvimento da literacia digital e na formação cívica.

O digital e as novas leituras

A segunda sessão foi dedicada às “Novas Tecnologias e modelos de Leitura”. Gustavo Cardoso, professor do Departamento de Ciências e Tecnologias de Informação do ISCTE, fez uma análise sobre as mudanças ocorridas no conceito de ler e nas formas, modalidades e formatos que a leitura tem vindo a ganhar nos últimos anos com a transformação digital. Com base no  estudo sobre Leitura Digital em Portugal, apresentou alguns dados sobre a apropriação que os leitores fazem do conteúdo digital e qual a sua opinião sobre as diversas modalidades de leitura (leitura por prazer versus leitura instrumental). Concluiu com a ideia de que independentemente do suporte utilizado, é sempre o leitor que comanda o processo de leitura, cabendo-lhe a decisão de escolher quando, onde e como o pretende fazer.

A visão institucional

O último painel, contou com a presença de José Manuel Cortês (Director-Geral da DGLAB), Inês Cordeiro (Directora da Biblioteca Nacional de Portugal), Maria Teresa Belém (Presidente da Câmara Municipal de Anadia) e Jorge Reis-Sá (Editor). José Manuel Cortês apresentou o estado de arte da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas com base no Relatório Estatístico de 2013. O seu discurso centrou-se na falta de investimento em equipamentos e aquisição de livros, finda que está a construção de novos edifícios. Face aos números desanimadores da utilização das bibliotecas, propõe um estudo sobre não-leitores e antecipa que está em discussão um novo programa-tipo para as bibliotecas, que, naturalmente, passará pelo estabelecimento de parcerias concelhias.

Inês Cordeiro, apresentou a articulação que a Biblioteca Nacional fez com a Rede, nomeadamente através da realização de actividades formativas no que diz respeito à normalização documental, e de produtos criados como, por exemplo, o catálogo colectivo PORBASE. Para Inês Cordeiro, “a Leitura Pública em Portugal está num ponto de viragem”. Tal como os oradores anteriores, partilha das mesmas preocupações sobre o investimento nas bibliotecas no futuro, sendo que dificilmente a estratégia passará por projectos com meios centralizadores, uma vez que não é essa a conjuntura actual, e dada a diversidade local que foi sendo operada nos últimos trinta anos. Importa “definir estratégias próprias alicerçadas nas realidades locais” que estão na dependência de uma “rede de pessoas e organizações locais.” Assim, caberiam neste conceito de redes “muitas redes, sem necessariamente um ponto central”.

Prémio de boas práticas em bibliotecas públicas

A finalizar a sessão foi apresentado o projecto de Rede de Bibliotecas da CIRA (Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro), que compreende as bibliotecas de Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Murtosa, Oliveira do Bairro, Ovar, Sever do Vouga e Vagos, e que foi galardoado com o prémio de boas práticas no valor de 4.500 euros, entregue por Jorge Barreto Xavier . Foram também atribuídas menções honrosas aos projectos: PLIP – Projeto de leitura inclusiva partilhada, da Biblioteca Municipal José Travaços Santos (Batalha); O livro nas nossas mãos, da Biblioteca Municipal José Saramago (Loures); Ebooks e leitura digital – Oeiras a ler, das Bibliotecas Municipais de Oeiras; Viver a ler +, da Biblioteca Municipal de Oliveira do Hospital; Literacia Inform@tica para todos, da Biblioteca Municipal de Penalva do Castelo e Histórias com sentidos da Biblioteca Pública Municipal do Porto e Biblioteca Municipal Almeida Garrett.

No discurso de entrega do prémio o Secretário de Estado da Cultura anunciou que, não obstante as dificuldades na promoção da leitura devido aos constrangimentos de investimento do poder central e local, as bibliotecas são lugares “essenciais para o contexto democrático” e que uma das formas de fazer chegar a cultura às pessoas é através da leitura. Assim, uma das apostas para breve será a aquisição de licenças para leitura digital para a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas.

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