No meio de tanta incerteza o retorno de uma BAD viva e que convida TODOS a participar na vida da NOSSA associação é uma notícia que ressuscita a vontade de trabalhar em prol da nossa profissão e missão.
Assumindo o lema que o EU pode sempre fazer alguma coisa, mas o TODOS pode fazer tudo, é com orgulho que participo neste renascimento, com uma crónica publicada no blogue O Papalagui, há cerca de dois anos, por altura do nascimento do meu filho, onde descrevo um pouco uma das razões para a escolha de um caminho, que me levou ao volante e a condução da Bibliomóvel por terras e gentes de Proença-a-Nova, a promover o Livro, a Leitura, o acesso livre a Informação ao Conhecimento e sempre algo mais…
Era uma vez um menino sonhador, sonhador como todos os meninos de 10 anos, que vivia uma relação muito forte com os livros, fruto da grande insistência por parte dos seus pais, que desde muito cedo incentivaram e alimentaram essa cumplicidade. Desde os livros de pano até às enciclopédias de História, Geografia e Ciências Naturais, passando pelas aventuras de Julio Verne, Jonathan Swift, Daniel Defoe, Mark Twain, Emílio Salgari, Charles Dickens, Condessa de Ségur, Enid Blyton, Rudyard Kipling, o Escotismo para Rapazes e sem esquecer a banda desenhada: Disney, Tintin, Astérix, Lucky Luke, Turma da Mónica, Major Alvega, Mamselle X, ENE3 e afins… todos foram presentes assíduos em aniversários e períodos natalícios.
Quando acabou a 4ª classe, esse menino recebeu do seu professor uma prenda, que, apesar de não lhe ser desconhecido porque era um livro, lhe causou alguma estranheza, em grande parte por não compreender o respectivo enredo: o livro relatava as aventuras e perplexidades de um chefe índio de uma ilha dos Mares do Sul trazido por uns missionários para um qualquer país ocidental; este confronto entre a visão do chefe índio e tantas das incongruências da nossa vivência ocidental confundiu, e de que maneira, a jovem e sonhadora mente desse menino. O livro era O Papalagui.
Na vivência e convivência deste menino com os livros havia também uma outra personagem essencial: o livreiro responsável pela livraria que existia a meio da avenida onde os seus pais possuíam um pequeno comércio dedicado a outras delícias, estas de cariz mais gastronómico.
Manhãs e tardes sem conta, sentado nos degraus da sala principal da livraria ou no chão em frente as prateleiras da banda desenhada, a folhear, cheirar e ler álbuns inteiros, sem a obrigação de adquirir nenhum. Havia ocasiões em que as portas da livraria se fechavam para um café com um pastel de nata do livreiro, mas o menino, esse, podia ficar na livraria com o beneplácito do livreiro, qual guardião de um templo vazio de gente, mas repleto de personagens e de mil e uma aventuras que transformavam o aparente silêncio de uma loja vazia numa contínua algazarra de guerras, batalhas e duelos ao pôr do sol.
Passado um par de anos, vieram as revoluções do universo ZX Spectrum 48K (128K), a NBA, o Benfica, os rallies, a Formula 1, as miúdas do pátio de basquete e do pátio de voleibol, as diferenças entre “surfistas” e os “metálicos” que eram avidamente discutidas e escalpelizadas nos intervalos (e durante as aulas!) do Liceu entre companheiros de escola.
E foi nos trajectos diários a caminho do Liceu, num atalho tantas vezes percorrido, que uma imagem longínqua se destacou um dia no estaleiro municipal: um veículo estranhíssimo com formas bizarras e pouco aerodinâmicas chamou a atenção desse menino, agora com 13 anos. Assim que pode o menino passou a abeirar-se daquela extravagância automobilística com um olhar curioso e sonhador, igual ao de todos os meninos de 13 anos, com o qual explorava o seu interior em busca de sentido e da missão para tão bizarro veiculo.
Ao conseguir vislumbrar o interior desse veículo forrado de cima a baixo e dos lados de prateleiras cheias de livros, logo imaginou a missão para que estava moldada aquela aparente singularidade de quatro rodas, a que chamavam Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian.
Como todos os meninos de 13 anos, também este imaginava onde e o que estaria a fazer dali a uns anos. E, por mais de uma vez, pensou quão seria interessante e curioso conduzir um veículo semelhante, calcorrear terras e conhecer gentes diferentes todos os dias, transportando livros para observar, tocar, cheirar, ouvir e ler…
O Papalagui