Reduto-Ajuda-Grande.paliçada-interior.Loures.02A propósito da recente distinção do Prémio “Europa Nostra 2014” na categoria “Conservação” atribuída à Rota Histórica das Linhas de Torres, e também no âmbito na comemoração do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, irei apresentar de um modo muito breve as linhas gerais que caracterizam este projecto intermunicipal, particularidades que o tornam singular, mas simultaneamente um exemplo de boas práticas. Gostaria de destacar nesta breve exposição que uma das características que considero ter sido decisiva para os sucessos já alcançados foi o esforço aturado de uma vasta equipa durante vários anos – não só técnicos de diferentes áreas de formação, mas também dirigentes políticos de vários quadrantes- convergindo para objectivos comuns, potenciando desta forma as sinergias dos vários parceiros. Mas, se o reconhecimento nacional (prémio “Turismo de Portugal 2011” na categoria “Requalificação- Projeto Público”) e internacional é motivo de agrado, não nos deve diminuir a consciência crítica. Digamos que a Rota Histórica das Linhas de Torres é um projecto que tem mais de uma década de trabalho prévio à sua 1ª fase de concretização, que o seu “nascimento” é recente, e é precisamente este atributo de se tratar de um processo em curso que a torna viva, desafiante, estimulante.

Conforme já foi mencionado a Rota Histórica das Linhas de Torres é um projecto intermunicipal (das Câmaras de Arruda dos Vinhos, Loures, Mafra, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira), integrado, de salvaguarda, investigação, restauro e valorização do denominado Sistema Defensivo a Norte de Lisboa, mais conhecido por Linhas de Torres Vedras [1] . Este conjunto foi edificado na conjuntura das Guerras Peninsulares e com o propósito de travar a 3ª Invasão Francesa, mais concretamente para a defesa do porto de Lisboa e da capital do reino. Partindo de um património histórico-militar várias estruturas foram intervencionadas e musealizadas, com o intuito de serem inseridas em circuitos de visita intermunicipais e articulados em rede, por sua vez apoiados em centros de interpretação ao longo de um vasto território [2] . Esta Rota oferece também uma grande rota pedestre, o GR30, que possibilita uma visita pedonal às duas linhas de fortificações. Tal como no passado estes locais estratégicos são observatórios de paisagem e a sua fruição permite ao visitante abranger muitas outras valências que ultrapassam os aspectos históricos.

Com efeito as características da região a norte de Lisboa, nomeadamente o relevo típico da Estremadura, com colinas pouco elevadas intercaladas com vales encaixados, foram potencializadas para criar, entre a 2ª e a 3ª invasões, um sistema defensivo militar singular em todo o mundo, até certo ponto só comparável à Muralha da China ou à Muralha de Adriano. Apresenta-se portanto como um sistema orgânico, articulando em rede mais de uma centena de fortificações de campo, formando uma espécie de sucessão de barreiras defensivas, especialmente a 1ª e a 2ª Linhas, que juntamente com outras obras complementares e com uma política da guerra queimada, procuravam desgastar e por fim obrigar o exército opositor a bater em retirada. Trata-se portanto de um conjunto de obras militares cujo valor não está na sua monumentalidade, nem numa visita a um único imóvel, mas sim precisamente do seu contrário, ou seja, na compreensão de uma estratégia militar de conjunto, onde cada obra singular se enriquece e se valoriza na sua inserção no todo e consequentemente no território.

Assim, esta transformação da paisagem estremenha do século XIX numa paisagem militar fortificada, não só é um valor histórico e patrimonial ao nível da arquitectura militar, como, dadas as implicações europeias do conflito, tem uma dimensão internacional. Uma visão museológica do assunto não pode esquecer este contexto, pois é esta a mensagem maior que nos transmitem estruturas que de monumental têm muito pouco, ou seja, o seu impacto no visitante só resulta se este já tiver (ou lhe for fornecida) uma certa consciência do que foram as Invasões Francesas no seu conjunto. Mesmo tomando em conta a valência paisagística envolvente.

Os trabalhos de musealização realizados visaram, entre muitos outros objectivos, compreender o sistema geral das estruturas militares, a relação de simbiose entre a geomorfologia local e a implantação dessas obras militares, a importância da cartografia (saliente-se a cartografia topográfica e temática, a triangulação trigonométrica do território) e do reconhecimento do território, em relação com a visão, o olhar, do militar, e a sua consequente marca no terreno com a construção das Linhas de Defesa de Lisboa.

A fase cofinanciada por fundos europeus do projecto decorreu entre 2007 e 2010, tendo a respectiva candidatura sido elaborada e apresentada em 2006 ao MFEE – Grants – Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu. No texto elaborado pela equipa que preparou tal candidatura , a determinada altura, escrevia-se: “A riqueza e singularidade do conjunto das Linhas de Torres, bem como o carácter identitário simbólico afectivo que representa para o país, para a região e respetivas populações, levou a que estes seis municípios, com realidades sociais, económicas, culturais e até territoriais diversas, se unissem na protecção, reabilitação e promoção de um bem cultural que é comum, que atravessa as fronteiras concelhias e as identidades regionais (…).”

Para os seis municípios envolvidos, que possuem no seu território a 1ª e a 2ª Linhas Defensivas, o que esteve em causa, desde o início, foi o propósito oficialmente assumido de, a partir da criação de uma infra-estrutura de valorização e musealização, gerar, na linguagem utilizada nestes contextos, um produto turístico-cultural, alicerçado em circuitos de visita intermunicipal e centros de interpretação, em articulação com um território vasto e as suas comunidades. Mas também promover um recurso educativo potencialmente valioso para objectivos tão diversos como a chamada consciência de cidadania, a defesa do ambiente e a história nacional e europeia.

Trata-se pois de, partindo de um património histórico-militar, criar uma rota histórica, turística e de lazer, atraindo visitantes nacionais e estrangeiros, com o intuito de investigar, salvaguardar e promover as várias valências do território, incluindo o ambiente, a história, o património edificado, nomeadamente estruturas vernáculas de utilização da terra e de exploração agropecuária, e mesmo aspetos como o do artesanato, gastronomia, saberes tradicionais (materiais e imateriais) entre muitas outras. Os circuitos visam, como disse, e acentuo, levar o visitante a conhecer progressivamente vários troços do sistema defensivo, e consequentemente a fruir de diversos valores paisagísticos, mas também a conhecer e a vivenciar o que de particular cada local, ou parcela específica, pode oferecer. É sem dúvida uma Rota a conhecer!

Florbela Estêvão

Nota biográfica

Licenciatura em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1989. Pós-graduação em Museologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1998. Pós-graduação em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1999. Pós-graduação em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa em 2004. Mestrado em Museologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2013.Técnica superior da Câmara Municipal de Loures desde 1990, com responsabilidade na área do património cultural e em particular arqueológico. Exerce a sua atividade na Divisão de Cultura daquela autarquia (Museu Municipal de Loures-Quinta do Conventinho). Elemento da equipa técnica permanente da Plataforma Intermunicipal para as Linhas de Torres, promotora do projeto Rota Histórica das Linhas de Torres.

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[1] Destacamos a monografia já publicada e disponível nos centros de interpretação e postos de turismo dos vários parceiros; MONTEIRO, Miguel Corrêa (coord.) (2011), As Linhas de Torres Vedras. Um Sistema Defensivo a Norte de Lisboa, PILT – Plataforma Intermunicipal para as Linhas de Torres, Torres Vedras.

[2] SILVEIRA, Carlos et al. (coord.) (2011), Rota Histórica das Linhas de Torres, Guia, PILT – Plataforma Intermunicipal para as Linhas de Torres, Vila Franca de Xira.

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