A Europa enfrenta hoje desafios que não podem ser comparados com os das décadas anteriores: as pessoas vivem mais tempo, os recursos naturais desaparecem, os empregos são escassos – e não há como voltar atrás.
Desde 2008, tem sido dito aos Europeus que estamos a viver uma crise, a pior desde 1929. Todos os anos tem-nos sido dito que a situação vai melhorar. Todos os anos, a realidade mostra-se diferente.
Não é rigoroso descrever a realidade na Europa como sendo uma crise. Ela deve ser vista antes como uma transição de um mundo para outro. Esta transição tanto pode conduzir a Europa para desigualdades crescentes como para um novo acordo social baseado na sustentabilidade e no respeito pelos direitos humanos para a geração presente e para as vindouras. A forma que ela tomará depende de escolhas que nós façamos agora. A Europa tem todos os bens necessários, materiais e culturais, para construir um futuro sustentável: é preciso investir neles agora!
O crescimento social, não o económico, deve ser a prioridade para a Europa contemporânea. Melhorar a competência cultural das pessoas, a nossa capacidade de cooperação e de pensamento crítico, a nossa abertura à diversidade, a nossa curiosidade: tudo isto é essencial para desenvolver uma sociedade sustentável onde os direitos, as responsabilidades e um bem-estar partilhado podem aumentar. As Artes e Ciências contribuem poderosamente para tais capacidades, assim como a educação acessível a todos e o respeito escrupuloso de todos os direitos humanos.
É tempo para tanto os decisores como os cidadãos construírem um discurso mais amplo sobre o futuro da Europa, sublinhando o desenvolvimento cultural como uma necessidade estratégica.
A lacuna democrática na tomada de decisões tem de ser preenchida. As eleições de 2014 são uma oportunidade para religar as instituições com os cidadãos europeus. Apenas 33% dos cidadãos da UE confiam nas instituições, de acordo com um levantamento recente conduzido pelo euro-barómetro. Isto é uma crise de legitimidade. É um fracasso.
As esperanças das pessoas, os seus medos e as suas prioridades merecem respostas que não podem ser subordinadas às exigências dos mercados financeiros. Temos de desenvolver um projeto político baseado na cultura e na educação, uma resposta adequada a emergências de ordem política, social, cultural e económico. O que precisamos na Europa não é de mais consumo. Precisamos de ética e qualidade em todos os aspetos da vida.
A Europa enfrenta um nacionalismo crescente, racismo mesmo. O projeto Europeu não pode falhar ao enfrentar este desafio. Uma alternativa séria e atraente deve ser construída de modo a envolver os Europeus. Uma narrativa de inclusão e de espaço partilhado tem de ser projectada. Esta é uma missão cultural. Os governos locais estão na linha da frente e são os maiores aliados neste empreendimento: as suas vozes devem contar na tomada de decisão de uma Europa completamente democrática.
Por conseguinte a Culture Action Europe apela a todos os participantes nas eleições europeias:
Aos partidos e grupos políticos europeus:
- Que apresentem, através dos seus programas, uma visão realista para a Europa e um projeto político credível
- Que integrem a sociedade civil no processo de elaboração dos seus programas, que encorajem uma ampla participação nas convenções onde as estratégias de campanha são adotadas, e que proponham candidatos com um compromisso ético e cultural, incluindo a expressão da sociedade civil.
- Que tornem clara a sua afiliação aos partidos e alianças políticas europeias. Esta informação é necessária para que os votantes possam compreender o posicionamento europeu dos partidos e candidatos.
Aos candidatos e futuros Membros do Parlamento Europeu (MPE):
- Que ofereçam uma estratégia de longo prazo e uma visão política que vão para além de uma abordagem estritamente económica.
- Que afirmem claramente a sua afiliação aos partidos europeus durante a campanha.
- Que abordem o papel da cultura em particular durante as campanhas, insistindo na sua necessária contribuição para o desenvolvimento sustentável e que se comprometam a promover ativamente um debate continuado sobre o fator cultural.
- Que se comprometam pessoalmente a defender valores que afetam diretamente a vida dos cidadãos como chave para sociedades sustentáveis e democráticas. Entre outros, os futuros MPE’s devem trabalhar para assegurar a liberdade de expressão, o direito a participar livremente na vida cultural da comunidade, a fruir as artes e a participar no progresso científico e seus benefícios, materializar a igualdade entre homens e mulheres, lutar contra todos os tipos de discriminação, colocar a inclusão e a coesão sociais como prioridades, desempenhar um papel responsável por um mundo mais saudável e justo, assegurar igualdade no acesso aos serviços públicos de educação e saúde, investir incansavelmente na proteção ambiental e na economia verde.
- Que criem um Intergrupo no Parlamento Europeu dedicado à cultura de modo a cultivar sinergias e debate transectoriais bem como a promover a integração da cultura enquanto recurso primário do desenvolvimento sustentável em todas as políticas e programas relevantes – das relações externas à coesão, da educação e aprendizagem à economia e ao trabalho – bem como na revisão do tratado e em todos os processos políticos e legislativos relevantes.
Aos partidos, aos candidatos e futuros MPEs:
- Que promovam a instituição de uma avaliação do impacto cultural a ser realizada antes da adoção de políticas em campos como a educação e a aprendizagem, planeamento urbano e arquitetura, direitos económicos e civis bem como naturalmente as artes e o património.
- Que tomem medidas necessárias à implementação de compromissos internacionais no domínio da cultura e do património (por exemplo a convenção da UNESCO sobre a proteção e promoção da diversidade de expressões culturais – 2005).
- Que integrem a sociedade civil nos processos de tomada de decisão das instituições europeias, assegurando um maior nível de transparência, informando-a numa fase inicial do processo legislativo, consultando-a com regularidade e construindo relações estáveis com todos os cidadãos.
- Que operem para o bem de todos os cidadãos europeus e, a fim de o fazer, quando necessário, mostrem independência dos interesses nacionais
- Que façam pressão para uma revisão da estratégia Europa 2020, colocando o bem-estar e o desenvolvimento do capital social no centro de uma estratégia para uma europa sustentável.
- Que apoiem a circulação cultural e artística por toda a Europa (‘Erasmus para as artes’) e que removam todas as barreiras que se lhe coloquem, incluindo regulamentos de vistos bizantinos e impostos e condições de segurança social impossíveis de conciliar. Em geral que promovam a coordenação dos sistemas de proteção social europeus para garantir o bem estar dos cidadãos e condições de trabalho e de produção para todos.
- Que adotem a regulação necessária para reconhecer os direitos económicos dos criadores e produtores com respeito pelos dos distribuidores e intermediários.
- Que se oponham ativamente a qualquer erosão da esfera pública, especialmente nos campos da cultura, artes, educação, ciência e investigação, cidadania e direitos humanos – todos valores europeus fundamentais em que é preciso investir.
- Em particular, que assegurem que as negociações entre a União Europeia e os Estados Unidos para um tratado comercial (TTIP) não diluam os nossos padrões ambientais e sociais, não conduzam à redução da esfera pública nas nossas sociedades ou ao abandono dos direitos dos criadores.
* Culture Action Europe (CAE) é desde 1992 a rede europeia líder no campo da cultura e hoje dá voz a mais de 80.000 organizações congregadas pelos seus 115 membros ativos em todos os domínios culturais e artísticos: de museus a bibliotecas públicas, de arquitetos a associações de escritores, de festivais a teatros de ópera, de instituições de investigação a centros culturais, de teatros a associações para a promoção social e a educação, de orquestras e conservatórios a associações musicais, de artes performativas às artes visuais e de organizações representando empregadores a organizações representando trabalhadores. A CAE visa pôr a cultura no centro do debate politico e da tomada de decisões a todos os níveis – tanto local como europeu – enquanto componente essencial de sociedades baseadas no respeito pelos direitos humanos universais e para benefício das gerações atuais e vindouras e encorajar o desenvolvimento democrático da União Europeia, como a primeira e mais ambiciosa tentativa de estabelecer uma nova forma de democracia baseada no respeito pelos direitos humanos e a vontade de organizar a vida cultural em torno de uma identidade complexa e não a hegemonia de uma única língua, cultura ou religião.
** Traduzido e subscrito pela BAD – Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas
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