Entra hoje em vigor o novo Código de Procedimento Administrativo (CPA). Surgem novas regras de funcionamento da “máquina” do Estado e articula-se uma outra forma de relacionamento entre os cidadãos e a Administração Pública (AP). Eficiência, desburocratização e rapidez são as novas palavras-chave. O “Notícia BAD” analisou o novo Código e apresenta-lhe um guia prático com as principais novidades e fragilidades.
Razão de ser do novo Código do Procedimento Administrativo
O Código do Procedimento Administrativo foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, tendo sido revisto uma única vez pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de janeiro.
As revisões constitucionais, nova legislação e jurisprudência entretanto surgidas, bem como “as novas exigências colocadas à Administração Pública (AP) e, mais do que isso, ao exercício da função administrativa, e a alteração do quadro em que esta última era exercida, por força da lei e do direito da União Europeia”, referidas pelo Governo na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 224/XII, impunham que essas exigências fossem incorporadas num novo CPA.
Do que trata?
Princípios gerais da actividade administrativa (artigos 3.º a 19.º)
Órgãos da Administração Pública (artigos 20.º a 52.º)
Procedimento Administrativo – regime comum (artigo 53.º a 95.º)
Procedimento do regulamento administrativo (artigos 97.º a 101.º)
Procedimento do ato administrativo (artigos 102.º a 134.º)
Actividade Administrativa:
- Regulamento administrativo (artigos 135.º a 147.º)
- Acto administrativo (artigos 148.º a 199.º)
- Contratos da Administração Pública (artigos 200.º a 202.º)
A quem se destina?
Órgãos da Administração Pública (artigo 3.º), nomeadamente:
a) Órgãos do Estado e das regiões autónomas que exercem funções administrativas a título principal;
b) Autarquias locais e suas associações e federações de direito público;
c) Entidades administrativas independentes;
d) Institutos públicos e associações públicas.
Mudança de paradigma
O princípio da desburocratização e eficiência previsto no artigo 10.º do anterior CPA é substituído pelo princípio da boa administração artigo 5.º do novo CPA que determina que a Administração Pública se deve pautar por critérios de eficiência, economicidade e celeridade. São estes critérios que passam a orientar a prestação da administração pública, que, para o efeito se deverá organizar de forma desburocratizada e aproximar os seus serviços da população.
Principais novidades e desafios para a Administração Pública:
– O princípio da cooperação leal com a UE (artigo 19.º do novo CPA), uma novidade absoluta que visa uniformizar o direito da União Europeia com a administração pública. É de referir que também a UE aprovou, sob proposta do Research Network on EU Administrative Law (ReNEUAL) em setembro de 2014, os Model Rules on EU Administrative Procedure e que há organismos portugueses que já só aplicam legislação europeia;
– Introdução da figura do responsável pela direcção do procedimento (artigo 55.º), com o objectivo não só de separar quem decide de quem prepara a decisão, como também de dar um rosto a conhecer aos particulares;
– Existência de acordos endoprocedimentais (artigo 57.º), ou seja, no fundo a possibilidade de existência de “promessas administrativas” orais ou escritas, em casos de grande complexidade;
– Previsão de “auxílio administrativo” (artigo 66.º) entre órgãos da AP, para assuntos de complexidade técnica;
– Aumento da capacidade procedimental dos particulares (artigos 67.º e 68.º), abrangendo os titulares de direitos, interesses, deveres, encargos ónus ou sujeições, bem como todos aqueles com legitimidade para a protecção dos interesses difusos, que aqui são ampliados;
– Introdução das conferências procedimentais (artigos 77.º a 81.º), para o exercício em comum ou conjugado de diversos órgãos da AP, “no sentido de promover a eficiência, a economicidade e a celeridade da actividade administrativa”: a título exemplificativo, veja-se um pedido de concessão de licença de obras numa pastelaria detentora de património classificado, que precisaria da decisão de, pelo menos, três órgãos da AP, e pode agora passar a dispor de uma única decisão conjunta;´
– Criação de um regime administrativo para o regulamento, que não existia no anterior CPA (artigos 135.º a 147.º), sendo-lhe estabelecida uma ordem de prevalência (n.º 3 do artigo 138.º), que não existia (veja-se a Lei formulário);
– Possibilidade de revogação de um acto administrativo (artigo 167.º n.º 2 c)) quando o conhecimento científico ou técnico que possibilitou a sua aprovação seja objecto de novo entendimento;
– Possibilidade de anulação de actos administrativos e mesmo de sentenças transitadas em julgado (artigo 168.º, n.º 7).
A administração electrónica na AP: poucas novidades e algumas ambiguidades
– O novo CPA não obriga, apenas aconselha (“devem utilizar”) a utilização de meios electrónicos no desempenho da actividade da AP (artigo 14.º);
– Refere a necessidade de garantir a disponibilidade, acesso, integridade, autenticidade, confidencialidade, conservação e segurança da informação (n.º 2 do artigo 14.º), mas não o concretiza;
– A utilização de meios electrónicos (artigo 61.º) – considerada preferencial –, na falta de um código próprio, à semelhança do que já acontece nalguns países, continua a regular-se por normas avulsas:
– A utilização de meios electrónicos por parte dos particulares, deverá obrigar à utilização do serviço público de caixa postal electrónica, criado pelo Decreto-lei n.º 112/2006, de 9 de junho (n.º 1.º do artigo 63.º), em contramedida da situação já existente, o que não é exigido a pessoas colectivas (n.º 3 do artigo 63.º);
– Exige ainda a assinatura digital certificada (al. b do n.º 3.º do artigo 61.º), tendo a prática administrativa ignorado tal medida;
– Pugna pela existência de Balcões únicos electrónicos (artigo 62.º), numa lógica de concentração de pontos de acesso à AP (artigo 62.º);
– Abre a AP à disponibilização dos seus serviços 24/7 (n.º 2 do artigo 104.º);
– Considera como data de apresentação de requerimentos a data de expedição em caso de utilização de “meios electrónicos de comunicação” (al. d) do n.º 1 do artigo 104.º), levantando questões de certificação dessa data;
– Sugere que o registo de requerimentos, quando recebidos por meios electrónicos, também se deve fazer por via electrónica (n.º 4 do artigo 105.º).
O que fica por fazer:
A aprovação por Conselho de Ministros de um guia de boas práticas administrativas prevista no prazo de um ano (artigo 5.º do Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro)
Leonor Calvão Borges