Miguel Rego*

museu-entrada_cmcvO Museu da Ruralidade assenta a sua filosofia de funcionamento numa lógica de intervenção em torno de duas referências estruturais: identidade e território. De identidade, porque procura a valorização e a dignificação da memória de uma comunidade, sem qualquer tipo de preconceito na abordagem metodológica. De território, porque procura alargar o seu funcionamento ao espaço geográfico de Castro Verde, sem deixar de contextualizar essa localização na região do Campo Branco e na paisagem da diáspora.

A abertura do Núcleo da Oralidade, em Entradas, na antiga casa agrícola da Leda, veio trazer ao projecto, a partir de 2011, um espaço permanente de exposições, onde se entrecruzam equipamentos, objectos e máquinas agrícolas com exposições temporárias sobre diversos temas, seja no interior do Museu, seja no seu pátio exterior, procurando que o património material seja valorizado associando-lhe o património imaterial e a dimensão humana que está, naturalmente, relacionada com todo esse espólio. Ao mesmo tempo, o espaço de “taberna”, um dos espaços da “Casa da Leda”, acolhe ocasionalmente conversas, ensaios de cante alentejano, exposições e, sobretudo, assume-se como oficina de saberes-fazer que alberga experiências em áreas tão distintas como a música, a gastronomia ou o trabalhar do barro.

Das iniciativas que decorrem no Museu, sejam elas ocasionais ou provocadas, procura-se registar, de forma sistemática, alguns dos seus momentos mais importantes, cujo resultado tem como destino o Centro de Documentação e Biblioteca que, num mesmo espaço, permitem ao visitante, estudioso ou utilizador, apreender conceitos de ruralidade, recolher informação, conhecer momentos da actividade do museu, rever ou conhecer acontecimentos que aqui tiveram lugar, relatos de instantes da vida de ontem e de hoje desta comunidade de que o Museu é já parte integrante.

É neste registo insistente que se constrói o deve e haver de um trabalho de dignificação da memória que é feito com a comunidade, não tendo apenas o património material como documento de referência. À exposição da ferramenta de trabalho, da debulhadora fixa ou da forja do ferreiro, junta-se o registo da memória do Natal de há 50 anos, os segredos da gastronomia “dos tempos da miséria”, as memórias das debulhas na eira, das ceifas, das mondas, da apanha da azeitona, da bolota ou do fugir com umas braçadas furtivas de lenha.

O projecto do Museu da Ruralidade carrega na sua intervenção uma natureza lógica de recolha e de valorização de toda a espécie de documento, tendo como premissa maior a valorização da comunidade humana e das suas manifestações culturais, a salvaguarda dessa memória, procurando constituir-se como a sua reserva identitária. Sem qualquer tipo de desconforto científico ou contradição teórica, o espaço de diálogo com a comunidade e de divulgação para o visitante, assume-se igualmente como um local de depósito, mesmo que avulso, de pedaços de documentos que, mais tarde ou mais cedo, serão utilizados em exposições, em trabalhos científicos, em momentos de evocação ou mostra ocasional.

Talvez por isso, uma das necessidades mais prementes do projecto Museu da Ruralidade é a de se organizar uma base de dados que reúna em termos descritivos o património material e imaterial do Museu (actualmente com três polos) e que fosse operacional em termos de recuperação de informação para a comunidade/público, tornando-a uma referência natural para quem estuda, trabalha ou se interesse sem qualquer tipo de necessidade maior ou período cronológico balizado entre o liberalismo e a entrada de Portugal na União Europeia.

 

*Coordenador do Museu da Ruralidade

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