Comemoraremos, neste ano de 2014, o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios sob o tema Lugares de Memória e o Dia Internacional dos Museus com um enfoque na temática Museus: As colecções criam conexões.
Bibliotecários, arquivistas, documentalistas, e demais técnicos que dinamizam os grupos de trabalho da BAD, são guardadores e transmissores de memórias dentro dos seus próprios saberes-fazer. As noções de lugar de memória e de colecção perpassam de forma transversal assumindo, cada área, a sua abordagem própria. O somatório da informação, das ferramentas de pesquisa e dos registos interessam a toda uma comunidade, no presente e no futuro.
Monumentos, sítios e museus são lugares de memória. Quer essa ligação seja legitimada pelo reconhecimento público, quer não. Quer nos agrade essa memória, quer não. A memória, porém, existirá se algo nos ligar a ela. Ou porque se mantém uma ligação física ou porque foi acautelado um interface de ligação.
Os monumentos e sítios da história de um país, da história de um povo, poderão constituir lugares físicos de memória. Mas a memória não é um holograma que surja solicito no ponto onde colocamos os olhos. A memória existe a partir do momento em que a pessoa, de alguma forma, se liga – faz a leitura, compreende, reconhece – à “coisa“ física. A diacronia da vida humana não alcança memórias intergeracionais de tão longo alcance. Contra factos não há argumentos e, assim, também nesta questão, é preciso empenho e reconhecer a necessidade desse empenho. A memória dá trabalho.
O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, [em linha], 2008-2013, veicula os seguintes significados para a palavra “conexão” – estado de coisas ligadas, ou, ligação; enlace ou vínculo entre pessoas ou entidades; relação ou ligação lógica, ou, coerência, nexo; analogia.
Os museus, as coleções dos museus, são espaços de ligação entre a pessoa e os mais variados interfaces, através dos quais múltiplas memórias têm a oportunidade de ser comunicadas, assimiladas, guardadas.
Monumentos, sítios, museus e coleções contêm, em si, um potencial de comunicação que é necessário fazer acontecer. É necessário fazê-los “falar”, estabelecer ligação com a pessoa e fazer surgir a memória.
Ramalho Ortigão – a sua obra, o seu trabalho – é um expoente passado de uma ligação muito estreita e muito preocupada a todo um património cultural, material e imaterial, que entendeu conter a memória da gente portuguesa. É, sem sombra de dúvida, alguém para quem os lugares de memória, os museus e as coleções, significaram o dedicar de uma vida.
Numa época onde os sentimentos nacionalistas eram muito exacerbados por toda a Europa, Ramalho integrou-se plenamente nessa corrente, explorando e amando o seu país como poucos. Fez da sua batalha final a protecção e valorização de todos os monumentos artísticos considerados como testemunhos da grandeza da História do nosso país. Era preciso salvar a “Tradição”, um conjunto de elementos de várias qualidades, constituindo a verdadeira alma da nação, actualmente designado de Património. Para o seu conhecimento percorreu sem descanso muitos caminhos e recantos do país, anotando e registando sistematicamente vocabulários regionais, pormenores, histórias, lendas e episódios pitorescos ou descrevendo lugares, monumentos e paisagens, numa inventariação sistemática registada em cadernos, pequenas folhas e epístolas ainda hoje muito bem representada no referido espólio, em alguns arquivos públicos, em posse de membros da família ou ainda de coleccionadores particulares. (Alice Nogueira ALVES, Ramalho Ortigão e o culto dos monumentos nacionais no séc. XIX, Tese de Doutoramento, 2009, p. 24)
A preocupação com a memória das gentes, dos lugares, das coisas, é inerente à nossa espécie. A literacia reduziu o campo da oralidade como meio de transmissão. Mas uma escolaridade crescentemente mais exigente tornou praticável, e expectável, novas formas de comunicar e de legar memória.
Ramalho Ortigão não foi o único do seu tempo a empenhar-se na defesa e salvaguarda do património nacional. Mas é a ele que se deve, nos finais do séc. XIX, a publicação da obra O Culto da Arte em Portugal,
onde desenvolveu um levantamento crítico de vários aspectos relacionados com a defesa e valorização do Património nacional, encarados como testemunhos da História de Portugal e elementos essenciais para a justificação da sua identidade nacional. (…) Segundo ele, para alterar as mentalidades era preciso começar por fomentar a educação do povo, sensibilizando-o para o valor dos seus monumentos e a sua importância na identificação da sociedade onde se integravam, sendo também imprescindível um arrolamento geral dos principais elementos a proteger e a divulgar. (Alice Nogueira ALVES, Ramalho Ortigão e o culto dos monumentos nacionais no séc. XIX, Tese de Doutoramento, 2009, p. 5)
A distância temporal que nos separa de Ramalho Ortigão torna muito interessante, e convida à reflexão, o trabalho que desenvolveu e a persistente teimosia que manteve na defesa e salvaguarda de todo um património, e respectiva documentação. As suas preocupações face aos lugares de memória e o modo como entendia dever valorizar as conexões com as múltiplas colecções de tantas artes portuguesas, fazem de Ramalho Ortigão uma figura a relembrar perante os temas propostos para comemoração do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios e do Dia Internacional dos Museus. Tantas das linhas do Culto da Arte em Portugal constituem a evidência do muito que há (ainda) a registar e da pertinência da existência de grupos de trabalho produtivos como os da BAD.
Ana Cristina Oliveira