Da ideia à obra não passaram mais do que quatro meses. Ricardo Delanauy, artista de Almada que assina Skran, disse sim à proposta da Biblioteca Municipal de Sines e concretizou-a nos passados dias 24 e 25 de Abril. O resultado foi uma intervenção de street art num edifício anexo ao Centro de Artes de Sines, de que faz parte a Biblioteca.
Conhecida como “Casa Preta”, tal como a cor que a reveste, este equipamento exterior do Centro de Artes de Sines foi sofrendo, ao longo do tempo, danos que importava reparar. Para além desta razão pragmática, o recente projecto artístico tem outros desígnios que o tornam relevante para a cidade. Homenagear o poeta Al Berto é um deles, bem como comemorar o Dia Mundial do Livro, que aconteceu dia 23 de Abril, e celebrar o 25 de Abril. Por outro lado, numa perspectiva mais ampla, diz-nos Gaspar Matos, responsável pela Biblioteca Municipal, era fundamental “pôr a Biblioteca a comunicar com o público”.
Al Berto foi – e é – um homem de Sines, com uma infância aí registada, num vai-e-vem entre cidades, no qual Sines foi sempre porto e terra-mãe, mas também dor e terra estrangeira. Na ambiguidade do que é ser Al Berto – a mesma que, no fundo, a todos caracteriza –, a parede lateral da outrora “Casa Preta” enche-se agora, aos olhos de todos, das palavras do poeta: “Quantas vezes me traiu, e amou, esta vila? Quantas vezes, com amargura, fugi dela?”. O olhar de Al Berto é o centro da fachada principal deste espaço intervencionado pelo traço de Skran. A quem passa é impossível desviar o olhar sem com o dele se cruzar.
Esta intervenção artística, por iniciativa da Biblioteca Municipal de Sines, não é inédita. Em 2010, uma artista plástica do Porto – conhecida como Sphiza – fez um trabalho de grandes dimensões, numa parede provisória, e que incluía um poema de Manuel Alegre, fazendo a ligação entre arte, literatura e o 25 de Abril. A mais recente intervenção vem no seguimento dessa, fazendo ambas parte dum projecto e duma ideia comuns, intitulados Da parede, um poema. Sobre a aceitação deste tipo de intervenções públicas pelas gentes de Sines, Gaspar Matos fala com orgulho: “A intervenção de 2010, mesmo no exterior, manteve-se sem um único dano durante mais de três anos. Quando a obra é boa, a rua respeita.”
A Biblioteca Municipal de Sines e o espaço público
Para lá desta iniciativa artística, que outras intervenções em espaço público têm sido realizadas pela Biblioteca Municipal de Sines (BMS)?
Gaspar Matos, bibliotecário e responsável pela BMS: Temos o hábito de realizar actividades na rua, sempre que possível. É o caso do Dia da Mulher, em que espalhamos poemas alusivos à Mulher pelas montras da cidade; do Festival Músicas do Mundo, a que nos associamos em iniciativas paralelas como o “Contos de Tantos Mundos”, actividade de narração de tradição oral realizada na rua; e é também o caso da actividade “Do Chão Brotam Palavras”, sempre no mês de Abril, que consiste numa instalação, em grandes dimensões, de um texto poético ou em prosa, na entrada da Biblioteca – na rua, uma vez mais –, seja sob a forma de um excerto do FMI de José Mário Branco, de uma passagem do Levantado do Chão, do Acordai de Fernando Lopes-Graça ou de um texto de José Luís Peixoto sobre a não resignação.
Que importância têm essas actividades e essa “filosofia” de intervenção pública para a BMS?
GM: Estas iniciativas são importantes porque a BMS, ao contrário de grande parte das bibliotecas municipais nacionais, está integrada em algo maior, o Centro de Artes de Sines. Apesar de ser uma das maiores contribuidoras para o afluxo de públicos neste Centro, precisava – e precisa – de se afirmar como equipamento distinto dos demais. No entanto, não significa isto que se demita da sua função de trabalhar com as restantes valências. Pelo contrário, colabora e maximizam-se mutuamente, e isso é extraordinário.