Graça FilipeGraça Filipe (museóloga e investigadora – NOVA FCSH-IHC)

A obrigatoriedade de confinamento e de interrupção de várias rotinas de vida e de práticas sociais a todos atingiu abruptamente, em Março de 2020, devido à pandemia da Covid-19, colocando-nos numa situação inédita das nossas vidas, para a qual não nos tínhamos preparado. Assim, os dois meses que se seguiram foram tempo de reacção e de adaptação, procurando adoptar medidas sanitárias de protecção, de uso restricto de recursos, os essenciais à nossa existência individual e em sociedade, e de procura de meios e espaços alternativos de trabalho.

Os museus, entre outras estruturas culturais, lugares e espaços públicos, foram declarados não indispensáveis, e por isso encerrados. Para muitos profissionais de museu, a experiência não foi muito diferente da de trabalhadores de outros sectores, embora se registe que, numa grande parte dos casos, os museus os patrimónios equiparados a museus dependem de tutelas públicas, o que permite supor que a sua própria existência futura e a os inerentes postos de trabalho serão assegurados.

Numa larga escala, terá sido a primeira experiência de equipas parcialmente ou por inteiro em regime de teletrabalho, configurando uma situação interessante para avaliação, que deve contar para a planificação das próximas etapas da crise em que nos encontramos.

Embora salientando-se que o universo museal é constituído por uma enorme diversidade de entidades e de processos, com missões e definições programáticas específicas, também com muitos tipos de organização e diferentes estruturas de funcionamento, não corremos o risco de generalização indevida ao lembrar que, ao longo das últimas décadas, os museus, cada museu à sua maneira, têm sido unânimes na valorização da sua função comunicacional. Encerrar ao público é pois uma espécie de paradoxo da instituição museal, obrigando a repensar formas de comunicar e de partilhar recursos , considerados de interesse e  dirigidos a diversos grupos de pessoas a que o confinamento físico  impede o acesso, nos contextos habituais dos serviços de museu.

Conhecendo-se as muitas fragilidades e carências estruturais do sector museal, as tentativas de resposta a esta primeira fase da crise da Covid-19, principalmente para superar o confinamento, obrigou a um generalizado esforço das tutelas e dos profissionais, nos diversos domínios de acção museológica, dos quais se tem destacado a divulgação de conteúdos na Internet e nas redes sociais.

Sendo aquelas formas de comunicação substancialmente restringidas ao uso de tecnologias e de dispositivos informáticos, e por mais que os profissionais dos museus queiram inovar, reduz-se inevitavelmente  o âmbito dos destinatários (pois à partida, actualmente, menos de um ser humano em cada dois acede a uma ligação à Internet). Por outro lado, e sobretudo tendo em conta os reduzidos meios técnicos e humanos afectos a projectos digitais nos museus portugueses, a estes impõe-se um árduo trabalho futuro, face à imensa concorrência de conteúdos e de audiências on-line, situação que não é facilmente superável, por exemplo, pela simples publicação de fotografias ou de vídeos de apresentação presencial de objectos de referência das suas colecções. Porém, poderá olhar-se para esta situação sob outra perspectiva, argumentando precisamente que a vulgarização do uso da Internet e a expansão do digital impõem o desenvolvimento de novos projectos associados a museus, transversais à investigação, à mediação e à educação, e que podem potenciar um aumento de usufrutuários de serviços e recursos museais, uma vez que muitos cibernautas poderão repartir a sua atenção e interesse pelos conteúdos oferecidos pelos museus, apesar de habitualmente não acederem aos seus espaços, não visitarem as suas exposições ou não participarem em qualquer tipo de iniciativas de carácter presencial, em museus.

Graças ao papel prontamente assumido por associações e organizações internacionais, começaram-se a recolher dados para uma caracterização do impacto do confinamento devido à pandemia de Covid-19 nos museus. Sendo crucial, mais uma vez, o papel dos profissionais, nos museus e através das associações ou até mesmo em grupos informais, tanto a nível internacional, como nacional, não se podem subestimar as responsabilidades dos órgãos de governação e de tutela das entidades museais e patrimoniais, que devem levar a cabo, a curto prazo, uma sistemática avaliação da situação e consequente tomada de medidas estruturais em termos de políticas públicas.

Apesar de um pré-existente quadro de problemas comuns nos museus portugueses, sendo hoje relativamente irrelevante o estatuto de credenciação na Rede Portuguesa de Museus, há, como sabemos, assinaláveis diferenças de contexto de funcionamento  actual  e de perspectivas de futuro em cada museu, consoante o meio ou o território em que se integra e a tutela a que está ligado. O anunciado desconfinamento dos museus em Portugal, colocado em geral a partir do dia 18 de Maio, Dia Internacional dos Museus, ajuda a demonstrar uma grande diversidade de situações.

Para além de o próprio ICOM internacional ter recomendado, para  assinalar o 18 de Maio, em todo o mundo, iniciativas no domínio digital e ter proposto adiar as celebrações presenciais para 14 e 15 de Novembro de 2020, as programações já anunciadas por alguns museus para os primeiros dias de reabertura, incluindo o Dia Internacional dos Museus, são reveladoras, no panorama português, por um lado, do quadro de condicionantes da reabertura física dos museus e, por outro lado, dos limitados recursos museais convertidos ao uso de tecnologias informáticas. A sua breve análise evidencia porém aspectos interessantes, tais como: a ênfase nas colecções, quer em exposição, quer em reserva;  a divulgação da história da instituição e de registos de actividades passadas;  a valorização de memórias pessoais e testemunhos vivenciais relacionados com o património e os museus.

A crise da Covid-19 continuará a afectar-nos e as suas consequências sem dúvida acentuam as nossas inquietações num quadro de incertezas sobre o futuro, em que se incluem muitos riscos identificados e ameaças latentes para os museus. A presente situação convoca-nos para uma reflexão crítica, profunda e estrutural, base de um pensamento estratégico. Em tempo de desconfinamento, os museus precisam de conciliar esta reflexão com respostas e iniciativas imediatas, integradas com as necessidades e prioridades do entorno em que vivem, possivelmente tendo que redefinir missões e razões de ser que os projectem no futuro, sob a condição essencial de cumprirem um papel relevante na sociedade.

16 de Maio de 2020.

 

Por opção da autora o texto não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990.

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