Luis Cabral NB

A oitava entrevista em vídeo, da iniciativa da Comissão Técnica Profissão, a associados aposentados que se destacaram na profissão e que estiveram ligados à origem e desenvolvimento da BAD, teve a participação do bibliotecário Luís Cabral, que nasceu em 1953.

O nosso entrevistado começa por nos dar conta do seu primeiro contacto com o mundo das bibliotecas, que “não foi propriamente com bibliotecas, mas com livros, em casa (…) mais tarde, então, bibliotecas, a Biblioteca da Faculdade de Letras, pelos 17 anos, quando fui para o primeiro ano, que era uma biblioteca peculiar, muito especial, muito diferente do que é hoje a Biblioteca da Faculdade de Letras do Porto. Era uma biblioteca que tinha, por exemplo, os livros num cubículo e os livros mais recentes por tratar empilhados, e eram-nos dados por um contínuo, quando não estavam requisitados por professores. Depois, a Biblioteca Pública Municipal do Porto, como utilizador e leitor domiciliário.”

De seguida, Luís Cabral fala-nos do início da sua carreira, como bibliotecário da Biblioteca Pública Municipal do Porto, em 1974, de que foi diretor entre 1986 e 2000. Em jeito de retrospetiva dos 26 anos de ligação a este serviço de informação, 14 dos quais à frente dos seus destinos, apresenta-nos “um balanço muito positivo”, assinalando, ainda assim que, naturalmente, “ficaram muitas coisas por fazer”, destacando a expansão do edifício da biblioteca e a criação de uma Rede de Bibliotecas Públicas do Porto.

Terminado este período, entre 2000 e 2018, ano em que se aposentou, Luís Cabral foi assessor da Direção Municipal de Cultura do Porto, referindo-nos as funções que desenvolveu nessa qualidade.

Do seu CV destacam-se as seguintes áreas: gestão de instituições públicas; estudos e projetos culturais; obras e equipamentos;  organização de exposições (Júlio Dinis, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Cláudio Carneyro, Miguel Torga, Almeida Garrett, Manuscritos de Santa Cruz de Coimbra, História do Porto, Descobrimentos, etc.); aquisição, tratamento e disponibilização de espólios literários e outros (Alberto de Serpa, António Nobre, Cláudio Carneyro e Guilhermina Suggia); trabalhos de investigação nas áreas da História da Cidade, da Literatura, da Música, do Livro e das Bibliotecas.

Sobre estas iniciativas e projetos tão estruturantes, das dificuldades ao impacto que tiveram, o nosso entrevistado frisa que “destaco só dois, como sendo os mais importantes, não quer dizer que não houvesse outros, igualmente interessantes: primeiro, o assunto é Santa Cruz de Coimbra, Livraria de Mão de Santa Cruz de Coimbra, é o fundo mais precioso da biblioteca, um dos dois fundos de bibliotecas medievais portuguesas, o outro é o da Biblioteca de Alcobaça, na Biblioteca Medieval, e então, por ocasião, do 8º Centenário de Santo António surgiu a possibilidade, e mesmo material, de se organizar, e foi o que se fez, promover, produzir, o catálogo da Livraria de Mão de Santa Cruz de Coimbra e isso foi feito com uma equipa da Faculdade de Letras do Porto. Considero que foi um passo em frente, grande, e que esse catálogo, esse livro, é a publicação mais importante que teve a Biblioteca Pública Municipal do Porto, ao longo dos anos todos, 170 ou 180 anos. O outro, destacava também, isso foi em 98, destacava em 88, portanto 10 anos antes, a aquisição da coleção dos manuscritos do poeta Alberto Serpa.”

Prosseguindo a reconstituição das suas atividades profissionais, o nosso entrevistado relembra os diversos conselhos e comissões especializadas de que fez parte, como o Conselho Superior de Bibliotecas e, entre outras, a Comissão Executiva do V Centenário do 1º Livro Impresso em Portugal e as comissões nacionais dos centenários de Camilo Castelo Branco e de Almeida Garrett, que integrou.

No que concerne à valorização da profissão, em meados dos anos 70, acentua que “dominava muito, nesta época, o estereotipo do bibliotecário de óculos, que falava pouco, mas lia muito (…) claro que nem todos eram assim, havia bibliotecários que se destacavam por ser pessoas ativas, competentes e empenhadas, e recordo, entre esses, podia recordar outros, mas entre esses recordo, em Coimbra, Dr. Jorge Peixoto e Maria Teresa Pinto Mendes, no Porto recordo a Maria Fernanda de Brito, que era da Biblioteca, e foi minha antecessora na Direção, e recordo também Maria Ermelinda Avelar Soares, que era bibliotecária da Faculdade de Medicina, e em Lisboa, o Dr. Adriano Andrade, às vezes um figura um bocado esquecida, mas que eu considero muito importante, a Manuela Cruzeiro e, é claro, a Maria José Moura.”

No que respeita à ligação à BAD, de que é o associado nº 152, tendo aderido a esta em 18 de julho de 1974, refere, “encontrei uma Associação jovem e muito aguerrida, muito aguerrida, muito determinada nas suas disposições, nas suas reivindicações. Ao tempo, a BAD, tinha, de facto, essa marca, esse carisma, e que eu apreciei e que se foi mantendo.” Acerca da profissão de bibliotecário releva que “tinha uma valorização muito baixa junto do público, dos leitores e era, efetivamente, do ponto de vista objetivo, era uma classe, vamos dizer, na parte da Função Pública, que era a quase totalidade dos bibliotecários e arquivistas, muito desvalorizada, não estava sequer equiparada aos técnicos do Estado, hoje são os técnicos superiores. Nesse tempo, a reivindicação máxima era essa e conseguiu-o, conseguiu isso.”

De Maria José Moura, associada e profissional de excelência, que esteve presente na vida da Associação de forma tão determinante, afirma, “era uma pessoa com uma energia, um entusiasmo muito grande, ela própria, que transmitia aos outros, e era uma pessoa extremamente empenhada nas causas, na causa, das bibliotecas públicas e não só.”

Luís Cabral possui uma importante e diversificada obra publicada, desde logo, coordenando e sendo autor de notas prévias dos catálogos de diversas exposições que organizou, bem como de outras publicações culturais da Câmara Municipal do Porto. Tem investigado e publicado nas áreas da História das Bibliotecas, Património Literário, História da Cidade do Porto, História da Música, destacando-se na sua bibliografia os livros “As bibliotecas públicas portuguesas: problemas e propostas de desenvolvimento”, “Tesouros da Biblioteca Pública Municipal do Porto” (em colaboração), e artigos em publicações da especialidade, como a “Bibliotheca Portucalensis”, os “Cadernos BAD” e as “Páginas a&b”, e em revistas culturais, colaborando regularmente n“O Tripeiro” e n“As artes entre as Letras”, a que se juntam comunicações em atas de congressos e colóquios. Entre estes destaca “um, o trabalho que foi editado pela INAPA, os Tesouros da Biblioteca Pública Municipal do Porto, que eu fiz com muito gosto e com muito esforço, em 1999, em parceria com a nossa colega Maria Adelaide Meireles (…) é uma obra de fundo, sobre os fundos da biblioteca e que contém uma relativamente extensa história da Biblioteca Pública do Porto, em segundo lugar destacaria a obra, o livrinho As bibliotecas públicas portuguesas: problemas e propostas de desenvolvimento, editada pela Afrontamento, também em 99, e que resume o meu pensamento sobre as bibliotecas e que foi feito um bocado como consequência da minha estadia em Leeds, a fazer o mestrado em biblioteconomia, e, claro, essa experiência cruzada, sobretudo com a nossa realidade; em terceiro lugar, muito mais recente, uma comunicação que fiz para um colóquio em Oxford, sobre a extinção das ordens religiosas nas bibliotecas portuguesas ou as bibliotecas portuguesas e a extinção das ordens religiosas.”

Em paralelo com a sua atividade profissional, Luís Cabral também desenvolveu uma notável atividade docente e formativa, nomeadamente, no primeiro caso, como docente, entre 1983 e 1986, dos Cursos de Especialização em Ciências Documentais, nas Faculdade de Letras das Universidade de Coimbra e do Porto. No tocante à sua atividade formativa, foi monitor, nos anos 80, dos primeiros três Cursos de Técnicos Auxiliares BAD, realizados no Norte (Porto).

Em relação ao Master of Arts in Librarianship, que obteve na Universidade de Leeds, em Inglaterra, em 1982, o que nessa altura não era nada frequente entre os bibliotecários portugueses, salienta “o que eu recordo, duas coisas que eu recordo, primeiro foi ter tido o privilégio, a sorte de viver em imersão num sistemas de bibliotecas que é de primeira categoria, aí pude viver o livre acesso como, sendo eu o ator, tive também uma noção muito viva do que era o empréstimo ativo, um empréstimo interbibliotecas, que eu usei e de que abusei, porque enfim, era gratuito (…) curioso que esse curso foi frequentado nos primeiros anos, entre 80 e 82, 83, por três bibliotecários portugueses, o Rodrigo Magalhães, que, à época, era bibliotecário no British Council em Lisboa, eu próprio e depois a Maria Luísa Cabral.”

Do novo coronavírus (SARS-CoV 2) e a COVID-19, que provocaram alterações profundas nos serviços de informação em Portugal, desde a organização do trabalho interno, ao atendimento aos utilizadores e à comunicação da informação, o nosso entrevistado frisa, “sabe que eu acho que, relativamente à pandemia, e digo acho porque eu não tenho quaisquer dados factuais, objetivos, científicos para o afirmar, acho que que a pandemia contribuiu muito para um certo fechar das bibliotecas sobre si próprias, que o levantamento de certas barreiras, digamos, um aumento da burocratização no atendimento público, etc. (…) é tempo de repensar as bibliotecas, públicas, no meu caso, repensar, refundar, de certa maneira, as bibliotecas públicas, ver o que é que se pode inovar, o que se pode fazer, o que se deve fazer de novo, não fazer mais do mesmo, procurar, de facto, fazer coisas diferentes e melhores, e mais adequadas, às necessidades do público-leitor e não-leitor.”

Já para os jovens profissionais que ingressaram na área das bibliotecas aconselha: “é necessário uma forte motivação, uma forte vocação, termo até, mais vocação, para trabalhar nestes serviços, depois, uma atenção muito grande às pessoas, sejam as pessoas que nós servimos através dos nossos serviços, sejam as pessoas que trabalham connosco, os recursos humanos das instituições em que nós estamos, e, considero essencial, um forte sentido de serviço público.”

Em derradeira análise, o nosso entrevistado fala-nos dos seus projetos em curso e futuros.

Luís Cabral deixa-nos um testemunho bastante racional e sistemático, mas gerador de grande satisfação intelectual e estímulo crítico, com o qual muito aprendemos e queremos continuar a (re)descobrir a toda a longitude do pensar.

Paulo Batista
Comissão Técnica Profissão / Conselho Nacional 2021/23

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