Maria Morais
“As bibliotecas itinerantes como veículo de aproximação às comunidades de meio rural. O caso da Biblioteca Andarilha – extensão móvel da Biblioteca Municipal de Beja”, da autoria de Maria Morais, é o título do trabalho distinguido com o Prémio Raul Proença 2012, atribuído pela BAD, com o apoio da DGLAB.
Esta dissertação de Mestrado resultou de uma investigação realizada entre 2010 e 2012 no âmbito do Mestrado em Ciências da Documentação e Informação – Ramo de Biblioteconomia – da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, faculdade esta onde decorreu a sua defesa pública em 14 de Janeiro de 2013.
Procurou-se, com este estudo, fazer o ponto da situação das bibliotecas itinerantes activas em Portugal; defender a utilização de extensões bibliotecárias móveis no século XXI, sobretudo junto das comunidades rurais e observar, em particular, o tipo de abordagem adoptada pela Biblioteca Andarilha, integrando-a na realidade do meio rural português e aferindo o impacto que este equipamento tem tido junto destas populações.
Persistência de barreiras ao acesso
Não obstante o sucesso do projecto levado a cabo pelo Serviço de Bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian durante a segunda metade do séc. XX e do importantíssimo trabalho desenvolvido no âmbito do Programa da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, dispondo actualmente a esmagadora maioria dos concelhos portugueses de modernas infra-estruturas de leitura pública, os livros e demais recursos culturais públicos continuam, no nosso País, a não estar acessíveis a todos.
Quer seja pelas dificuldades de acesso físico aos equipamentos de Leitura Pública existentes por motivo de dispersão e isolamento geográfico ou por problemas de mobilidade (saúde, idade, acessos viários, rede de transportes, etc.), quer seja pela ausência de ferramentas adequadas para a descodificação e fruição dos bens culturais (analfabetismo clássico e funcional, iliteracias várias) ou pela ausência de investimento por parte dos agentes culturais que compense o atraso cultural e social em que se encontram certas franjas da população e estimule a tomada de consciência do valor do livro e do acesso à cultura (poder, autonomia, integração, prazer), estas formas de exclusão primária que ainda subsistem no nosso território reforçam a situação de isolamento, de injustiça, de desenraizamento e de estagnação económica e cultural em que se encontram as populações que habitam no interior do nosso país.
Uma situação nebulosa, desconexa e precária
Paralelamente, a importância dada ao desenvolvimento de uma rede de leitura pública verdadeiramente abrangente e de uma política cultural inclusiva tem vindo a determinar, também em Portugal, o recurso a extensões bibliotecárias que possam projectar a acção educativa, cultural e social das bibliotecas municipais para além dos seus edifícios, serviços e públicos convencionais. Porém, e apesar do trabalho pioneiro desenvolvido pelas bibliotecas itinerantes no nosso País, encontrando-se na origem da actual rede nacional de leitura pública, a situação em que estas se encontram actualmente é nebulosa e desconexa. Efectivamente, o interesse recente de algumas autarquias em recuperarem esta ferramenta de aproximação às comunidades (tendo todos os anos, desde 1996, nascido, pelo menos, uma nova biblioteca itinerante) não tem sido suficiente para promover um debate consistente nem para motivar uma intervenção concertada por parte dos poderes públicos, continuando as bibliotecas itinerantes a estar apartadas das estratégias nacionais para a cultura.
O levantamento que neste estudo se efectuou junto das bibliotecas municipais portuguesas que dispõem ou dispuseram nos últimos anos de unidades móveis permitiu concluir que não existe uma lógica de actuação que articule, à escala nacional a actividade das bibliotecas municipais da RNBP e uma rede de equipamentos itinerantes que complementem, ampliem ou integrem os serviços prestados/a prestar às populações dentro de uma política concertada para a leitura pública em Portugal. A precariedade parece ser o pano de fundo das bibliotecas itinerantes que circulam em Portugal: criam-se e extinguem-se ao sabor das circunstâncias locais, sem critério nacional e sem a intervenção de um órgão regulador, sendo que a criação de unidades itinerantes traduz, antes de mais, tendências locais, de cariz político, histórico ou cultural, mais receptivas à utilização deste tipo de equipamentos.
Por outro lado, aferiu-se que a realidade das itinerantes portuguesas em funcionamento é, antes de mais, muito heterogénea (quanto à sua dimensão e raio de acção, tipos de públicos, dimensão e qualificação das equipas número e evolução das utilizações, origem, precedentes e enquadramento técnico-administrativo), havendo, pois, um importante trabalho a fazer ao nível da sistematização e actualização de informação sobre as modernas bibliotecas itinerantes portuguesas, bem como da articulação entre profissionais – operacionalização dos projectos, recursos e ferramentas técnicas – e da cooperação entre as várias estruturas públicas.
Um olhar sobre a experiência da Biblioteca Andarilha
Apesar das dificuldades que as bibliotecas itinerantes portuguesas e as bibliotecas públicas em geral actualmente enfrentam, e de acordo com a investigação realizada, a Biblioteca Andarilha – extensão móvel da Biblioteca Municipal de Beja tem mostrado ser uma bem sucedida ferramenta para a descentralização cultural, estando a contribuir para a promoção de uma maior igualdade de oportunidades na fruição dos bens culturais públicos entre os habitantes do concelho de Beja.
Com efeito, através da sua unidade itinerante, a Biblioteca Municipal de Beja conseguiu estender a sua acção até a um raio de 25km para lá do edifício central e interagir com 18 freguesias do concelho, num total de 36 localidades/instituições visitadas desde 2009, servindo actualmente todas as freguesias rurais do concelho com infra-estruturas de leitura pública. A Biblioteca Andarilha tem conseguido criar a confiança com o serviço e o à vontade com os livros necessários para vencer não só a distância física como a distância psicológica que a inexistência de hábitos de utilização de bibliotecas e de hábitos de leitura no geral representa entre este tipo de públicos, incentivando à utilização dos serviços da biblioteca pública. Tem igualmente conseguido identificar parceiros e consolidar hábitos de trabalho cooperativo, envolvendo e co-responsabilizando poderes municipais e estruturas culturais locais, docentes, mediadores e utilizadores.
Num momento em que já se extinguiram grande parte dos rituais sociais ligados ao trabalho, à cooperação e à recreação que tradicionalmente se realizavam entre as populações rurais, e a partir dos quais se iam construindo as chamadas identidades locais, equipamentos como esta Biblioteca Andarilha representam uma via paralela, não massificada, de abordagem aos públicos, constituindo-se, simultaneamente, como espaço de cultura e ferramenta cultural, lembrando-nos da importância do contacto físico bibliotecário-leitor e de um funcionamento à escala humana, factores estes essenciais – tal indicia o estudo em questão – para o combate à descriminação e exclusão sociais, para a salvaguarda da diversidade cultural e para a construção de comunidades com voz própria.