Comemora-se mais um ano o nascimento de Hans Christian Andersen e com isso celebramos, ou celebram alguns países, pela quadragésima oitava vez, o livro infantil. Fazem-no quase religiosamente desde 1967, lembrados pelo IBBY – International Board on Books for Young People. Fazemo-lo nós aqui em Portugal, com mais ou menos entusiasmo, há bem menos tempo, talvez só desde que tinha volvido um bom par de décadas depois da Revolução de Abril e quando foi criada uma associação preocupada com a qualidade dos livros e dos seus leitores mais jovens, a APPLIJ. Uma associação historicamente relevante mas por agora adormecida e sem hora marcada para acordar, até porque pôde adormecer depois de cumprir a sua importante missão de contaminar outras instituições com a sua (pre)ocupação. Também o mundo ficou mais aconchegado, entretanto, e assim começámos a partilhar, como partilhamos outros saberes e sabores e muito do que se diz e diz respeito ao livro infantil.
É nestas datas e com estes balanços que nos apercebemos o quão recente é a preocupação de colocar o livro dedicado ao público infantil num lugar central de um multifacetado sistema cultural: o editorial, o educativo e, até, o literário. E, no entanto, os mundos que nascem e se encerram dentro do livro infantil, e que renascem e se libertam em cada gesto que o abre e folheia, seja pela mão do adulto mediador ou da criança que já o faz autonomamente, esses mundos povoam os dois grandes eixos que marcam uma existência material, ou nem por isso: o eixo horizontal do Tempo, e o vertical do Espaço. Quando se cruzam estes eixos nasce, da memória dos contadores ou para a memória da escrita, um texto novo. E isto ao longo dos séculos e em qualquer parte do mundo, em línguas aparentadas ou indiferentes entre si, matizadas por referências a um ou outros deuses. Como diz a escritora Marwa Al Agroubi, que escreveu a mensagem oficial deste ano para o 2 de abril, tudo isto resulta em muitas culturas mas uma só história.
As histórias reúnem-se nestes livros, que se tornam singular no dia internacional do livro infantil, em cada ano há tantos anos, em tantos lugares do mundo, e serão sempre uma só história vivida por quem os escreve e quem os leu. Esta é aquela história em que não condenamos uma paixão atrás da outra em que não se esquece a anterior, como já alguém disse numa espécie de monogamia em série. Percorrendo-os pela leitura, pelas palavras, pela escrita, pelos mundos e pessoas que ali nascem e vivem, todos os livros e cada livro, escritos, publicados, lidos, contados, são o fruto de uma única história – a história do grande amor pelo livro desde que se é pequenino.
Cláudia Sousa Pereira
Universidade de Évora