O tema do Mês Internacional da Biblioteca Escolar 2025 (MIBE), em outubro, criado pela International Association of School Librarianship (IASL) é “Além da Estante: Inteligência Artificial, Bibliotecas e o futuro das histórias”.

A temática destaca o papel crucial das bibliotecas escolares no processo de mudança tecnológica cada vez mais dominado pela Inteligência Artificial (IA), com novas aplicações e ferramentas. Destacamos, entre outras, a criação de conteúdos através do ChatGPT, da empresa OpenAI; a criação de imagens, infografias e produções multimodais pelo Gamma; Canva; Curipod ou Infography; os vídeos e storytelling para promoverem eventos e serviços através do Vidnoz ou D-ID; a catalogação e a classificação automática; a realidade aumentada; a leitura em voz alta de livros e textos ou a importância dos prompts, dos chatbots e assistentes virtuais, os casos do ChatGPT; do Claude (da empresa Anthropic); do Perplexity; do Evaristo.ai (chatbot multi-modelo e multi-heterónimo para a Língua Portuguesa, desenvolvido a partir da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, pelo NLX-Grupo de Fala e Linguagem Natural e sua spinoff) ou IA Amália (chat inteligente português), para além, do assistente de IA Copilot, da Microsoft; do Gemini – assistente de IA da Google; do chat da empresa chinesa DeepSeek; do ChatBook (criado em dezembro de 2023 e usado na mediação de leitura pela Biblioteca Nacional de Singapura); das tecnologias interativas com IA – a StoryGen (histórias com experiência multimédia) e o Glue: Curiocity (plataforma interativa de visualização de conteúdos).
A IA ao realizar tarefas que exigiam inteligência humana está a revolucionar a forma como os professores, educadores e alunos interagem com a informação e a transformar as bibliotecas escolares, tornando-os espaços tecnológicos mais inteligentes, interativos e digitais, quando outrora eram físicos e analógicos. O futuro das bibliotecas caminha para o mundo além da estante, com empréstimos digitais dos e-books e audiolivros, um mundo digital assente numa educação algorítmica, sistemas de IA e análise de dados.
Numa década em que foram apresentados em Portugal, o Plano de Ação para o Desenvolvimento Digital das Escolas (PADDE) e o Plano de Ação para a Educação Digital da Comissão Europeia (2021-2027), torna-se necessário reconfigurar a educação e o papel das bibliotecas escolares para as mudanças tecnológicas. O objetivo visa promover um ecossistema educativo inovador, interativo, inclusivo e de reforçar as competências e aptidões para a transformação digital de todos os intervenientes educativos (literacia digital; educação algorítmica e tecnologias com a utilização intensiva de dados – literacia de dados e literacia de IA), em consonância com os princípios orientadores do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (RBE, 2021; Comissão Europeia, 2020; Comissão Europeia, 2022).
Segundo Arévalo & Cordero, no artigo El papel de las bibliotecas en la era de la inteligencia artificial (IA), a literacia digital:
«es fundamental en un mundo cada vez más transformado por la inteligencia artificial (IA). A medida que la IA continúa avanzando y se integra en diversos aspectos de la vida cotidiana, la educación y el trabajo, es esencial que las personas desarrollen las habilidades necesarias para interactuar y beneficiarse de estas tecnologias» (2024, p. 31).
Neste sentido, as bibliotecas escolares contribuem para a implementação do PADDE e «apoio (…) à utilização adequada de tecnologias, conteúdos, plataformas e serviços digitais» (RBE, 2021, p. 10), actualmente, através de uma educação algorítmica possibilitada pela IA.
A título de exemplo, uma das medidas principais da Educação, do Programa XXV Governo Constitucional, apresentado em junho de 2025, consiste em:
«desenvolver e implementar uma Estratégia para o Digital na Educação, potenciando as oportunidades da digitalização para garantir o desenvolvimento de competências, na criação de recursos educativos digitais inovadores e no potencial da Inteligência Artificial para o apoio personalizado à aprendizagem dos alunos» (Programa XXV Governo Constitucional, 2025, p. 28).
Em resumo, o Governo continua o processo de reflexão sobre o digital ao serviço da Educação que, culminará na apresentação de uma Estratégia para o Digital na Educação, assente na desmaterialização de processos, desenvolvimento tecnológico, reforço da cibersegurança e integração de ferramentas de IA.
A IFLA-UNESCO School Library Manifesto 2025, edição atualizada da IFLA/UNESCO School Library Manifesto: The school library in teaching and learning for all (1999), reflete igualmente as grandes mudanças na tecnologia, na sociedade e na educação e representa uma ferramenta importante para a defesa das bibliotecas escolares em prol de uma educação de qualidade e inclusiva dominada pela IA (2025a).
Parafraseando a IFLA-UNESCO School Library Manifesto 2025:
«In a rapidly evolving information landscape, with emerging technologies generating new opportunities and challenges, the school library’s role in active collaborations for literacies, critical thinking, creativity, and global citizenship in inclusive and equitable education is more important than ever» (IFLA, 2025a).
O termo IA está intimamente associado à IA generativa e sendo utilizada de forma responsável em bibliotecas escolares, apresenta diversas oportunidades no acesso ao conhecimento, através, entre outros, da digitalização – como converter texto, texto manuscrito, oral, multimédia e media em formas legíveis por máquina; catalogação automática de conteúdos em grande escala, incluindo, a indexação e criação de metadados; recomendação, adaptabilidade, personalização e filtragem; resumo e síntese; análise de dados; tradução e interatividade (IFLA, 2025b).
As possíveis aplicações relacionadas com as bibliotecas e os seus benefícios incluem: a implementação de um sistema de recomendação de livros, artigos ou outras coleções da biblioteca; apoio ao uso responsável de ferramentas de IA generativa por parte dos utilizadores no processo de pesquisa; proporcionar acesso a serviços com IA; utilização de IA para melhorar o acesso às coleções e curadoria da informação; desenvolvimento de um chatbot (assistentes virtuais multilingues e interativos) ao nível da biblioteca para responder a perguntas, fornecer orientações sobre a coleção e realizar reservas ou renovações dos empréstimos; desenvolvimento de uma aplicação de Geração Aumentada por Recuperação (RAG); fornecimento de dados para treinar modelos ou a utilização de IA generativa na realização de tarefas profissionais, como tradução, resumo de textos, elaboração de documentos e planos de formação (IFLA, 2025b).
Conforme referido, a IA oferece um potencial significativo para apoiar os valores fundamentais das bibliotecas, como o acesso à informação e ao conhecimento. No entanto, é ainda, uma tecnologia controversa, com preocupações éticas e legais que devem ser consideradas para garantir o uso responsável e seguro da IA em contexto educativo (privacidade, segurança, direitos de autor e transparência) (Comissão Europeia, 2022).
O Regulamento (UE) 2024/1689 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024 (Regulamento de IA em vigor a 2 de agosto de 2024), estabelece obrigações para o desenvolvimento e utilização de IA, através de uma abordagem baseada no nível de risco, procurando promover a transparência, a segurança e a confiança na utilização de IA. Por sua vez, o Código de boas práticas para a IA de finalidade geral, da Comissão Europeia, de 10 de julho de 2025, foi concebido para ajudar a indústria a cumprir as regras do Regulamento Inteligência Artificial em matéria de IA de finalidade geral (em vigor a partir de 2 de agosto de 2025). O objetivo é garantir que os modelos de IA de finalidade geral colocados no mercado europeu – incluindo os mais poderosos – são seguros e transparentes. O Código é constituído por três capítulos sobre temáticas importantes de IA: transparência e direitos de autor, ambos dirigidos a todos os fornecedores de modelos de IA de finalidade geral e, segurança e proteção, pertinentes apenas para um número limitado de fornecedores dos modelos mais avançados (Comissão Europeia, 2025).
Alcançar os benefícios da IA de forma transparente, equitativa e responsável só pode ser realizada se os problemas recorrentes com as tecnologias forem abordados. Falamos da segurança e proteção dos dados dos alunos nas bibliotecas escolares. A utilização da IA para processar estes dados pode aumentar o risco de violação da privacidade, especialmente, se os dados forem acedidos por terceiros sem o devido consentimento, sendo, contudo, necessária a implementação de medidas de proteção dos dados pessoais, no seguimento do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia (EUR-Lex, 2016).
Garantir a equidade no acesso e na utilização das tecnologias de IA é outro dos grandes desafios que se colocam às bibliotecas escolares. Se estes sistemas não forem desenvolvidos e implementados de forma equitativa, inclusiva e em respeito pela diversidade linguística e cultural, corre-se o risco de gerar desigualdades.
A transparência é igualmente necessária na confiança com as tecnologias de IA. Os alunos, pais e professores devem conhecer quais as decisões tomadas pelos sistemas de IA, especialmente, as que têm impacto no processo de aprendizagem ou no acesso aos recursos educativos. Para enfrentar estes desafios de forma transparente, é essencial que as bibliotecas escolares respeitem os regulamentos relativamente ao uso de IA em ambiente educativo, implementando políticas de privacidade, segurança dos dados e avaliações de impacto da proteção dos dados pessoais (BLOGUE RBE, 2024).
Salientamos ainda que, as aplicações de IA proibidas na União Europeia incluem a manipulação cognitivo-comportamental de pessoas ou grupos vulneráveis específicos: por exemplo, brinquedos ativados por voz que incentivam comportamentos perigosos nas crianças; a IA para pontuação social: classificação de pessoas com base no comportamento, estatuto socioeconómico, características pessoais; a identificação biométrica e categorização de pessoas singulares ou sistemas de identificação biométrica em tempo real e à distância, como o reconhecimento facial em espaços públicos (Regulamento EU, 2024).
Em suma, o futuro das bibliotecas escolares reside como espaço no coração da escola inteligente, assente em algoritmos inteligentes, sistema de recursos inteligentes e atendimento aos utilizadores inteligentes (através de chatbots e assistentes virtuais). Cada vez mais, existem ferramentas disponibilizadas pelas bibliotecas que beneficiam de aplicações de IA, como, a impressão 3D, a robótica ou experiências imersivas, incluindo a realidade virtual aumentada que permite aos utilizadores explorarem as coleções de forma mais pormenorizada e interativa.
É uma realidade além da estante, um mundo digital potenciado pela IA que remodela e revoluciona a sociedade, os serviços, a gestão das bibliotecas escolares e tem impacto na atuação dos profissionais e, obviamente, nos alunos, exigindo-lhes competências práticas/técnicas; competências de parceria/colaboração e de desenvolvimento pessoal (literacia digital, literacia de dados e literacia de IA), em consonância com os documentos da IFLA – A Skills Agenda for the Trend (2025c) e da OCDE – Empowering Learners for the Age of AI: An AI Literacy Framework for Primary and Secondary Education (2025).
Aliás, o Programme for International Student Assessment (PISA), desenvolvido pela OCDE, que visa avaliar as competências dos alunos de 15 anos aos níveis de leitura, de matemática e de ciências, para além, da capacidade de resolução colaborativa de problemas, da literacia financeira e do pensamento criativo, vai integrar no PISA 2029, as competências de literacia mediática e literacia em IA, de modo, a conhecer como os alunos utilizam as tecnologias digitais de forma crítica e ética (OCDE, 2025).
Ana Margarida da Costa
Bibliotecária
Referências Bibliográficas:
Arévalo, J. A., & Cordero, M. Q. (2024). El papel de las bibliotecas en la era de la inteligencia artificial (IA). Boletín De La Asociación Andaluza de Bibliotecarios, 127, 27-37.
BLOGUE RBE. (2024).
Comissão Europeia. (2020). Plano de Ação para a Educação Digital (2021-2027). Reconfigurar a educação e a formação para a era digital (2020). Bruxelas: Comissão Europeia.
Comissão Europeia. (2022). Orientações éticas para educadores sobre a utilização de inteligência artificial (IA) e de dados no ensino e na aprendizagem, Serviço das Publicações da União Europeia.
Comissão Europeia. (2025). Código de boas práticas para a IA de finalidade geral.
International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA). (2025a). IFLA-UNESCO School Library Manifesto 2025.
International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA). (2025b). IFLA AI Entry Point for Libraries and AI.
International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA). (2025c). A Skills Agenda for the Trend Report.h
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). (2025). Empowering learners for the age of AI: An AI literacy framework for primary and secondary education (Review draft). OECD. Paris.
Programa XXV Governo Constitucional.(2025).
RBE. (2021). A Biblioteca Escolar no Plano de Ação para o Desenvolvimento Digital da Escola. Lisboa: Rede de Bibliotecas Escolares.
Regulamento (UE) 2024/1689 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024, que cria regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial. (2024).