
O Mês Internacional das Bibliotecas Escolares (MIBE), celebrado todos os anos em outubro, constitui um momento estratégico para reforçar o valor e a relevância das bibliotecas escolares junto das comunidades educativas. Mais do que um ritual de calendário, trata-se de uma oportunidade de visibilidade pública, de mobilização da comunidade escolar e de reforço da identidade da biblioteca como espaço de aprendizagem, cultura, cidadania e inovação. Em 2025, o tema escolhido pela Rede de Bibliotecas Escolares — “Para além das estantes: IA, bibliotecas e o futuro das histórias” — introduz uma dimensão muito atual: o impacto das tecnologias emergentes, em particular da inteligência artificial (IA), sobre as formas de produção, mediação e consumo da informação e da literatura.
Este mote remete-nos para dois desafios centrais: por um lado, como integrar as ferramentas de IA no contexto da educação e da biblioteca escolar de forma crítica e criativa; por outro, como reafirmar a singularidade humana da leitura, da imaginação e da mediação cultural, num tempo em que os algoritmos começam a participar ativamente na geração de textos e histórias. Assim, o tema não é apenas tecnológico, mas profundamente pedagógico e ético, uma vez que nos obriga a refletir sobre autoria, criatividade, originalidade, direitos digitais e literacia crítica da informação.
A biblioteca escolar, pela sua missão, encontra-se num lugar privilegiado para assumir este debate. Ao contrário de outros espaços da escola, a biblioteca conjuga três dimensões fundamentais: o acesso universal ao conhecimento, a mediação pedagógica da leitura e da informação, e a promoção de uma cidadania ativa e consciente. Nesse sentido, o MIBE 2025 deve ser encarado como uma oportunidade para reposicionar a biblioteca no centro da escola, demonstrando que ela não se limita a ser “um espaço de livros”, mas um laboratório de literacias múltiplas: literacia da leitura, da informação, dos media e, agora, também literacia digital e de IA.
A introdução do tema da inteligência artificial na agenda das bibliotecas escolares é coerente com tendências internacionais. A IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions) tem sublinhado a necessidade de os bibliotecários assumirem um papel ativo na mediação tecnológica, não apenas garantindo acesso a ferramentas digitais, mas também formando cidadãos críticos capazes de compreender os mecanismos subjacentes às tecnologias emergentes. De igual modo, a UNESCO e a União Europeia defendem que a educação para a cidadania digital e para o pensamento crítico deve incluir a compreensão de como funcionam os algoritmos, como são produzidos os conteúdos digitais e quais os riscos e oportunidades associados.
Ora, a biblioteca escolar, ao explorar com alunos e professores as potencialidades e limitações da IA na criação de histórias, posiciona-se como um espaço de vanguarda e reflexão ética, e não apenas como um serviço de apoio ao estudo ou de mero uso do tempo livre. Ao propor atividades que contrastem narrativas produzidas por seres humanos e narrativas geradas por algoritmos, as bibliotecas tornam visível a especificidade da imaginação humana, mas também a necessidade de compreender criticamente as novas ferramentas.
Além disso, não se pode esquecer que o MIBE é também um momento privilegiado para práticas de promoção, marketing e advocacy. Muitas vezes, as bibliotecas escolares realizam atividades internas, restritas ao espaço da escola, sem a devida comunicação para além das suas paredes. Isso faz com que a sua ação, por mais relevante que seja, se torne invisível para a comunidade educativa mais alargada e para os decisores institucionais. Ao contrário, o MIBE deve ser encarado como um palco estratégico para mostrar resultados, evidências e impactos, quer através de dados concretos (estatísticas de utilização, número de empréstimos, frequência de atividades), quer através de narrativas humanas (testemunhos de alunos, professores, famílias).
O marketing e a comunicação são, assim, aliados fundamentais. A biblioteca deve pensar em campanhas visuais, notas de imprensa, exposições digitais e presenciais, conteúdos para redes sociais e colaborações com parceiros externos (autarquias, associações culturais, universidades), de modo a amplificar o alcance da sua mensagem. É importante recordar que o marketing em bibliotecas não se limita à promoção de serviços, mas corresponde a um conjunto de estratégias que visam alterar perceções e reforçar o reconhecimento social da biblioteca como instituição indispensável.
Neste contexto, o advocacy torna-se o ponto alto: é o ato de defender ativamente o direito à biblioteca escolar e o valor da sua existência. Celebrar o MIBE 2025 numa lógica de advocacy significa ir além da mera organização de atividades festivas: implica utilizar cada ação como um argumento visível, que mostre à comunidade educativa, aos pais, às autarquias e aos decisores políticos que a biblioteca escolar é um investimento que transforma vidas.
Por isso, as atividades propostas para este MIBE devem ter intencionalidade comunicativa e política. Cada sessão, oficina ou exposição deve estar associada a mensagens-chave: “a biblioteca liga a escola às tecnologias do futuro”, “a biblioteca é espaço de literacia crítica”, “a biblioteca garante acesso equitativo a narrativas plurais”, “a biblioteca humaniza o uso da inteligência artificial”. Ao transmitir estas mensagens de forma consistente, através de diferentes canais, os professores bibliotecários estarão não só a celebrar o MIBE, mas também a fortalecer a posição da biblioteca no ecossistema educativo.
Em suma, o tema “Para além das estantes: IA, bibliotecas e o futuro das histórias” oferece uma oportunidade para repensar a identidade da biblioteca escolar. Ao ligar tradição (a leitura, a narração oral, a literatura) e inovação (a IA, os algoritmos, as narrativas digitais), a biblioteca afirma-se como um espaço de mediação entre passado e futuro, capaz de acolher os desafios do presente sem perder a sua missão essencial: formar leitores críticos, cidadãos informados e comunidades mais conscientes.
Assim, o MIBE 2025 não deve ser encarado como mais uma comemoração, mas como um ato estratégico de promoção, marketing e advocacy, que reposiciona a biblioteca escolar no coração da escola e da sociedade.
Sugestões de atividades (promoção, marketing e advocacy) adaptadas ao tema
Para além das atividades mais ou menos usuais organizadas pelas bibliotecas, apresentam-se ideias passíveis e focadas para levar à prática.
| Tipo de ação / fase | Descrição / exemplo prático | Objetivo de promoção / advocacy |
| Sessão inaugural “IA e narrativas: conversar o ontem e o amanhã” | Convidar um especialista em IA, escritor ou investigador para fazer uma palestra ou debate aberto com a comunidade escolar. | Elevar o estatuto da BE como espaço de reflexão contemporânea; atrair visibilidade institucional. |
| Exposições híbridas | Misturar exposições físicas e digitais com “versões” comparativas de narrativas humanas vs narrativas geradas por IA, mostrando como a IA pode “recontar” histórias. | Mostrar concretamente o impacto da IA nas narrativas; instigar curiosidade e diálogo com público mais amplo. |
| Oficinas “Escrita com IA vs Escrita humana” | Propor que os alunos redijam narrativas normalmente e, em paralelo, gerem narrativas com ferramentas de IA (sob orientação). Comparar, discutir vantagens, limitações e ética. | Tornar visível o valor do humano, valor da mediação e sensibilidade literária; posicionar a BE como espaço de literacia crítica. |
| Concursos criativos de prompts / microcontos IA | Criar um concurso em que os alunos formulam “prompts” que gerem narrativas por IA, depois adaptam ou revisitam essas narrativas. | Incentivar o protagonismo dos alunos; gerar conteúdos partilháveis nas redes da escola e comunidade. |
| Sarau “Histórias híbridas” | Evento literário onde alunos, professores e famílias leem e comentam narrativas humanas e produzidas por IA, seguidas de debates sobre autoria e originalidade. | Tornar a biblioteca visível como palco cultural; envolver diferentes segmentos da comunidade. |
| Ciclo de debates “Ética, criatividade e IA” | Painéis ou mesas-redondas com professores de ética, filosofia, informática ou parceiros externos para refletir com alunos. | Reforçar a BE como espaço de cidadania digital e mediação cultural. |
| Galeria de depoimentos “Histórias que inspiram – à moda humana” | Recolher testemunhos de professores, alunos, pais sobre narrativas ou leituras que transformaram suas vidas (sem IA). | Restaurar o valor humano da leitura e da mediação; humanizar a proposta da BE. |
| Publicação e partilha de dados de envolvimento | Infográficos mostrando quantos participantes nas oficinas, quantos prompts criados, número de leituras híbridas, etc. | Demonstrar resultados, reforçar a legitimidade da BE perante direção, comunidade e órgãos decisores. |
| Desafio “Biblioteca + IA nas redes” | Criar reels ou pequenos vídeos com comparações de textos gerados por IA vs textos do acervo da biblioteca, convidando seguidores a “adivinhar qual é qual”. | Aumentar o alcance digital da BE e gerar interação com público jovem e externo à escola. |
| Sessão de encerramento e “Memória híbrida” | Apresentar os resultados das atividades, divulgar os trabalhos produzidos (prompts, microcontos), entregar prémios e abrir um diálogo sobre futuros usos da IA na biblioteca. | Concluir com visibilidade, mostrar impacto e envolver autoridades escolares e externas. |
Nota: Para a elaboração de sugestões para a celebração do Mês Internacional das Bibliotecas Escolares foi usada a Inteligência Artificial.
Fontes:
European Commission. (2025, August 13). Ethical guidelines for educators on using artificial intelligence. European Education Area. https://education.ec.europa.eu/focus-topics/digital-education/action-plan/ethical-guidelines-for-educators-on-using-ai
IFLA. (2025, May 15). Declaração sobre direitos de autor e inteligência artificial [Post de blogue]. Blogue RBE. https://blogue.rbe.mec.pt/ifla-declaracao-sobre-direitos-de-autor-2952989
International Federation of Library Associations and Institutions. (2025, June 4). IFLA-UNESCO school library manifesto 2025. IFLA Repository. https://repository.ifla.org/items/c9f90a1b-dcb7-4c16-a11c-30b53b7b333d
RBE – Rede de Bibliotecas Escolares. (s.d.). Mês Internacional da Biblioteca Escolar (MIBE). https://www.rbe.mec.pt/np4/MIBE.html
UNESCO. (2025, February 21). Inteligência artificial e educação: O papel da IA nas políticas educacionais. UNESCO. https://www.unesco.org/pt/articles/inteligencia-artificial-e-educacao-o-papel-da-ia-nas-politicas-educacionais
João Paulo Proença – Coordenador do Grupo de Trabalho das Bibliotecas Escolares da BAD