Lucinda Fernandes Costa Fernandes*
O Museu do Trabalho Michel Giacometti é um museu municipal, sob tutela da Câmara Municipal de Setúbal, criado em 1987, encontra-se sediado numa antiga fábrica de conservas de peixe e adaptada a museu desde 1995.
O edifício constituído por cinco andares, está integrado num antigo bairro de pescadores, salineiros e operárias conserveiras que trabalhavam na ex-fábrica Perienes.
Representa três exposições permanentes nomeadamente: A Indústria Conserveira com a exposição “Da lota à lata”, o “Mundo Rural – Coleção Etnográfica Michel Giacometti e a Génese do Museu”, e “Mercearia Liberdade – Um património a salvaguardar”.
O espírito aberto das Jornadas Europeias do Património visa sensibilizar para a importância da memória na construção do futuro. As Jornadas destacam a permanente novidade e a promessa de futuro que o Património Cultural encerra, sempre atualizado através de novos conhecimentos, de horizontes emergentes, de olhares e interpretações renovados.
Neste âmbito conjugamos as Jornadas Europeias do Património com as comemorações Bocageanas, trazendo para o espaço museológico a exposição intitulada O Colecionismo sob o tema Bocage, através do acervo de Adelino Noé a inaugurar a 26 setembro.
O colecionismo é um processo criativo que consiste na busca e posse de objetos de maneira seletiva e apaixonada, em que cada objeto é destacado do seu uso ordinário e concebido como um elemento de um conjunto de objetos dotados de significados a ele atribuídos pelo indivíduo, sociedade ou contexto cultural.[1]
Os colecionistas guardam o que nós abandonamos e oferecem-nos as suas narrativas do nosso passado abandonado. Amam o que nós esquecemos, trazem o passado para o nosso presente, lembram-nos que o nosso passado nos faz falta para o futuro.
Entrevistado, conta-nos Adelino Noé: …eu apaixonei-me, a curiosidade do saber faz-nos apaixonar; chegaram-me até a chamar doido porque eu estava a comprar lixo, andei cinquenta anos dedicado a isto.
O contributo deste setubalense consiste numa seleção de representações figurativas, objetos e quadros que reportam à época do próprio Bocage. Algumas destas representações nunca foram anteriormente desvendadas. No seu conjunto, formam uma complexidade de afetos que nos dão uma visão própria e peculiar da alma e engenho do colecionador.
O que para muitas pessoas poderá parecer uma coleção de objetos rotineiros torna-se um verdadeiro tesouro nas mãos do colecionador, exibindo paixões, sentimentos, curiosidades e lembranças, sejam elas históricas, artísticas, lúdicas ou sui-generis, unidas pelas predileções que nele se especificam, para corrigir o mundo. Colecionar não é apenas o ato de reunir objetos mas também uma forma de construir sentidos e conferir significados.
Diz-nos Adelino Noé: Confesso que sempre me senti atraído, numa escala crescente, pelas coisas em que me interesso, acrescida de uma grandiosa imaginação e recriação. Algumas das minhas conceções, previamente estudadas, são posteriormente transpostas para a tela pela mão da pintora Mariana Ricardo, de Tikhomirova Afonso entre outros, refletindo todo esse meu fascínio. Alguém moeu a cabeça antes de chegar ao pintor, cada leitura revela uma história que tem que ser contada.
O colecionador não apenas ensaia completar a coleção temática que se propôs, imagina elementos em falta nas peças e faz com que sejam introduzidas, num ato criativo, criador de identidade: Já fiz três exposições, penso que esta será a ultima mas gostaria de fazer uma última exposição com tudo o que colecionei, para as pessoas poderem observar e ficarem com uma ideia mais completa de como foi Setúbal nos tempos passados.
O museu, espaço vivo, carregado de memórias e significações integra as Jornadas Europeias do Património e partilha a diversidade da riqueza patrimonial material e imaterial deste colecionador sob o ‘nosso’ Bocage.
* Museu do Trabalho Michel Giacometti
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[1] Costa, Paulo de Freitas, Sinfonia de Objetos. São Paulo: Editora Iluminuras, Ltda, 2007: 20.