É comum verificar em museus a existência de um sector de documentação, constituído por biblioteca e/ou arquivo, sendo um instrumento fundamental para documentar as coleções, apoiar a investigação e produzir conhecimento a partir das mesmas. Contudo, isto só é possível relacionando os diferentes acervos do museu entre si, sobretudo o acervo arquivístico e o acervo museológico, e tal é ainda de maior importância se nos dedicamos a museus com coleções de arqueologia.
A escavação arqueológica define-se por ser um processo destrutivo sistematizado, sendo que a salvaguarda da informação de um sítio arqueológico se faz pelos registos apurados. Estes possibilitam estudos posteriores, para além de darem a conhecer a relação contextual dos objetos exumados, atribuindo-lhes diferentes valores consoante a interpretação dos dados constantes naqueles registos.
No entanto, muitos dos objetos que se encontram hoje nas coleções de arqueologia de vários museus portugueses, nomeadamente as coleções constituídas em finais do séc. XIX e inícios do séc. XX, não vieram destas escavações sistemáticas. Tal é o caso do Museu Nacional de Arqueologia (MNA), um museu com mais de 125 anos de história e uma coleção que se pauta por ser constituída mediante uma diversidade de modos de aquisição, pelo que ainda se torna mais fulcral o trabalho conjunto entre o arquivo e o setor de inventário, pois qualquer dado que se possa recolher, para melhor contextualizar e documentar um objeto, é informação fundamental para melhor conhecer a coleção.
Após um trabalho de reestruturação espacial do MNA, que englobou um novo sistema de inventário dos sítios arqueológicos e suas coleções, deu-se início a um processo de revisão sistemática destes. Este trabalho é sobretudo levado a cabo pelo Sector de Inventário e Coleções, em conjunto com o Laboratório de Conservação e Restauro, e com o Sector de Documentação. Todavia, um diagnóstico ao trabalho destes sectores revelou que estes trabalham geralmente sobre si próprios, quando poderia existir um maior trabalho conjunto entre o inventário e o arquivo histórico, nomeadamente no que ao tratamento da informação do arquivo diz respeito.
O Arquivo Histórico do MNA é constituído por variados acervos documentais que compreendem diversos arquivos pessoais, pertencentes a antigos diretores do MNA ou investigadores, bem como desenhos e fotografias relacionadas com intervenções arqueológicas prosseguidas por técnicos do Museu. Destacam-se sobretudo os arquivos dos dois primeiros diretores do MNA, José Leite de Vasconcelos e Manuel Heleno, que são coincidentemente os mais sistematicamente tratados.
De facto, o arquivo de Manuel Heleno foi mesmo alvo de um projeto que permitiu o tratamento, inventariação, descrição e digitalização integral do acervo[1], com excepção da documentação fotográfica.
Já o arquivo de José Leite de Vasconcelos, foi alvo de um tratamento mais sistemático a partir do final dos anos de 1980, com maior destaque a ser dado ao epistolário. Deste trabalho resultou uma base de dados dos diversos correspondentes e uma listagem, publicada igualmente como primeiro volume[2] da coleção “Suplementos a «O Arqueólogo Português»”, a revista científica publicada pelo MNA. Contudo, há ainda muito por fazer no tocante a este espólio.
Considerando a importância e a natureza deste acervo arquivístico, é de lamentar que o tratamento deste espólio não ocorra a par da revisão sistemática dos sítios arqueológicos, ou de outros trabalhos que se focam nas coleções do MNA. Deste modo, não é possível relacionar os documentos e informação do arquivo histórico com os sítios arqueológicos e os objetos provenientes destes, uma vez que os acervos documentais, na sua grande maioria, encontram-se por digitalizar e disponibilizar ao público interessado. Mesmo quando se encontram digitalizados ou tratados, encontram-se em diversas bases de dados e plataformas que não se encontram relacionadas entre si, que não são utilizadas em toda a sua plenitude, e que carecem de uniformização, revisão e mesmo sistematização.
Parece que se começam a dar alguns passos na disponibilização do pouco que se encontra digitalizado, mas ainda é um passo muito tímido e que levanta mesmo a questão se o modo como está a ser feito (a simples disponibilização de digitalizações) é o mais indicado; ou se não seria preferível utilizar outros meios digitais já em utilização pelos serviços do MNA[3], ainda que não os mais adequados para arquivos documentais nem possibilitando relações entre o acervo documental e o museológico. Poderia, no entanto, permitir a disponibilização de digitalizações dos documentos e informação do contexto e conteúdo dos mesmos, indicando a relação destes com sítios arqueológicos ou localidades, com antigos investigadores ou personalidades, e, sobretudo, a sua relação com objetos pertencentes à coleção do MNA, mediante ligações para outras bases de dados relevantes para a área da Arqueologia.
Carla Barroso, Mestre em Museologia
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[1] A base de dados encontra-se disponível para consulta de forma presencial no Arquivo Histórico do MNA. Parte deste acervo deveria também estar disponível em http://arquivo.patrimoniocultural.gov.pt/apinet/, mas a 31 de maio de 2020 não é possível aceder ao mesmo.
[2] RAPOSO, Luís; COITO, Lívia Cristina – Epistolário de José Leite de Vasconcelos. Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia, 1999.
[3] Veja-se o exemplo da Biblioteca de Arqueologia da DGPC, que disponibiliza o arquivo de Georg e Vera Leisner, arqueólogos de nacionalidade alemã, mediante o BiblioNET, software de catalogação bibliográfica em utilização na rede de bibliotecas da DGPC de que a biblioteca do MNA faz parte.