O Grupo de Trabalho BAD Sistemas de Informação em Museus associou-se às comemorações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, 18 de Abril, este ano dedicado ao tema “Património+Educação=Identidade”, com a realização de uma entrevista com Mário Pereira dos Santos, director do Palácio Nacional de Mafra. Este entrevista teve como propósito dar a conhecer aos leitores um dos mais emblemáticos locais do Palácio Nacional de Mafra, a Biblioteca. Detentora de um espaço arquitetónico singular e de importantes espólios documentais, alguns ainda por explorar, a Biblioteca ocupa um lugar privilegiado na construção da memória e da identidade nacional.
Leia a entrevista e não deixe de visitar este verdadeiro repositório do Saber.
É director de um monumento, candidato a património mundial, que é Palácio, Convento e tem uma das mais ricas Bibliotecas do país. Pode fazer-nos brevemente o enquadramento destas três realidades, entre elas e com a zona envolvente?
Em primeiro lugar gostaria de dizer que a biblioteca acaba por ser, neste monumento, o highlight por excelência. Nós temos muitos visitantes que visitam este Palácio em função de uma imagem que viram da Biblioteca, em função de uma informação que têm sobre a Biblioteca, em função por isso mesmo, da Biblioteca.
Gostaria de lhe dizer que nós, neste Monumento, temos várias singularidades! Temos um espaço, que é um espaço também ele único, uma Enfermaria do século XVIII e que ainda está in situ; temos uma outra especificidade que tem vindo a ter ultimamente um grande impacto mediático e tem tido uma grande adesão do público – podemos dizer que durante o ano de 2012 tivemos cerca de sete mil espectadores a assistir aos concertos de Seis Órgãos, na Basílica. Porquê? Naturalmente pela qualidade do programa que apresentamos e, temos a certeza disso, pela singularidade de aqui existirem seis órgãos. Temos, depois, os dois carrilhões que infelizmente estão desactivados. Quando falamos de um Monumento como o Palácio Nacional de Mafra, estamos a falar de uma área de implantação de cerca de 39 mil metros quadrados, o que nos dá bem a noção da dimensão e da grandiosidade deste espaço. É, pois, neste contexto monumental que temos esta jóia, esta preciosidade que é a nossa Biblioteca.
A Biblioteca é de facto uma biblioteca notável. É importantíssima sobretudo pelo seu acervo. Quando, por exemplo, falamos em livros religiosos, falamos de toda a espécie de livros religiosos que pode imaginar. Desde a famosa Bíblia Complutense (do Cardeal Cisneros), editada Alcalá de Henares, em 1214 – a primeira bíblia poliglota (Marcel Bataillon refere a sua importância cultural na Europa do século XVI), até outras Bíblias que estão proibidas, Nesta Biblioteca vamos encontrar a Bula do Papa Bento XIV, que institui esta Biblioteca, e que explicita que está autorizada a ter livros proibidos. Esse aspecto é extremamente interessante e nós vamos encontrar num dos catálogos – temos dois momentos em que a Biblioteca foi catalogada, um em 1755 e outro, em 1819-, e a descrição que Frei João de Santa Anna faz em 1819, refere a existência de uma quantidade impressionante de livros proibidos que existem., Entre os livros proibidos, temos de tudo, desde a primeira edição das obras completas do Gil Vicente, por exemplo, em que se assinalam as várias partes que foram sendo censuradas, até livros da Biblioteca Colbertina.
É uma Biblioteca notável em relação à qualidade do seu acervo em praticamente todas as áreas do saber, nisso ela é, de facto uma Biblioteca das Luzes. Astronomia, Matemática, Medicina, Literatura de Viagens, Ciências Esotéricas…é, de facto, impressionante a natureza do acervo. Mais do que a quantidade, que é em si relevante, é sobretudo a qualidade e a natureza dos livros que a torna efetivamente numa biblioteca preciosa.
Grande parte das exposições que têm feito é com o acervo da Biblioteca.
Como sabe, a principal preocupação de um espaço como este, reside na sua conservação. Esta é uma biblioteca histórica, não é uma biblioteca em que qualquer aluno que esteja a fazer um trabalho vá lá fazer consultas. Existem de facto alguns programas, alguns projetos de estudo que estão a decorrer em função da natureza do acervo da Biblioteca, com protocolos assinados entre o Palácio e Universidades portuguesas e brasileiras. Temos, por exemplo, um protocolo assinado com o CHAM da Universidade Nova, a Universidade Fluminense, que incide sobretudo sobre a Biblioteca Volante e os livros sobre o Brasil.
Temos alguns protocolos e alguns estudos que têm vindo a ser desenvolvidos na Biblioteca com várias universidades e, às vezes, confrontamo-nos com situações quase insólitas…. estou a lembrar-me de um estudo que foi feito com a Universidade Nova sobre o levantamento de Tratadística, em que tinham pensado em dois investigadores durante três meses e, ao fim de oito meses, ainda não tinham levantado tudo e já tinha havido um reforço de investigadores para fazer esse levantamento. A Biblioteca não deixa de ser também uma caixa de surpresas, porque quando se começa a estudar vamos encontrar sempre livros que não estávamos à espera ou que não sabíamos que existiam em Portugal.
Apesar desses dois inventários serem exaustivos, com mais de doze mil páginas de descrições de livros, muitas vezes o conteúdo vai muito para além do título e só folheando o livro temos a possibilidade tomar contacto com o conteúdo desse livro.
Numa Biblioteca como esta, aquela que é a nossa preocupação em termos de atividade diária, dada a exiguidade de Recursos Humanos, acaba por ser a sua conservação. Desde a limpeza, à desinfestação, há todo um trabalho que é feito em permanência e permanentemente. As duas bibliotecárias têm um trabalho direccionado para a catalogação e investigação conducente a um melhor conhecimento do acervo. Como corolário desse trabalho, efectuamos várias exposições que, sempre que possível culminam com um catálogo impresso. Temos também a preocupação em ter sempre, na antecâmara da Biblioteca, uma exposição bibliográfica do acervo. São iniciativas importantes que vão dando a conhecer, de forma temática, a natureza do acervo uma vez que esta antecâmara está no percurso visitável, impressionando de forma muito marcante os nossos visitantes.
Que outros projectos tem para a Biblioteca? Desenvolvem atividades de intercâmbio com outras bibliotecas congéneres, palatinas ou conventuais, no país e no estrangeiro?
O palácio, desde há três anos faz parte de uma associação que é a Associação de Residências Reais Europeias e, naturalmente, é uma realidade que queremos explorar com trabalhos em rede. Noutras áreas já começámos a beneficiar com as permutas de boas práticas nos Palácios Reais Europeus mas, na realidade, poucos palácios têm uma Biblioteca como a nossa, que, em termos práticos, é a junção de duas bibliotecas, aquela que era a biblioteca real e aquela que era a biblioteca conventual. Aliás, há escritos do século XVIII que ainda nos falam de duas Casas da Livraria. Depois, quando aquele espaço se conclui (com os Agostinhos) é que se dá a junção das duas Casas e se constitui esta Biblioteca.
No âmbito da própria associação de que fazemos parte queremos promover, já estabelecemos contactos para desenvolvermos projetos na área das Bibliotecas. Neste momento não temos nenhum projeto em concreto com outras bibliotecas estrangeiras, estamos na expectativa de os ter. Temos contactos a desenvolverem-se com Wilanow (Polónia), Peterhof (Rússia) e Escorial.
Em Portugal temos. A título de exemplo, posso dizer-lhe que vai realizar-se brevemente o III Encontro das Bibliotecas Eclesiásticas, em Mafra, no âmbito de uma abertura que, apesar de tudo queremos e temos de ter. Temos a obrigação de ir estudando aquele acervo, de o ir conhecendo e de ir propiciando aos investigadores informação sobre aquilo que a Biblioteca tem. Tudo isto sem deixar de ter em linha de conta que somos uma Biblioteca Histórica, que se encerrou no século XIX quando recebeu a biblioteca particular de Possidónio da Silva.
Mantendo sempre o equilíbrio com a questão da conservação?
Isso para nós é essencial, Aliás, a leitura que se faz e a consulta que se faz, neste momento, é sempre uma leitura presencial. Não temos uma sala de leitura, é feita no gabinete das duas bibliotecárias e, na maioria dos casos, sempre com luvas.
Tomando em consideração o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, este ano dedicado à temática de “Património+Educação=Identidade”, de que forma o património documental e bibliográfico da Biblioteca se pode associar a um reencontro da Identidade Cultural, reavivando valores e memórias do património da educação?
Esta Biblioteca é uma biblioteca, também ela, de memórias. Normalmente associamos o património aos conceitos de identidade e memória e aqui temos um importante património de memórias. Temos livros que eram consultados e anotados pela Família Real quando estava no Palácio.
A Biblioteca persiste hoje em dia praticamente incólume graças a dois/três momentos de sorte que, paradoxalmente, são dois/três grandes momentos de delapidação e de devastação do património. O primeiro é com a extinção das ordens religiosas, em 1834, que corresponde a uma grande perda ou pulverização do património móvel das ordens religiosas – esta Biblioteca passa praticamente incólume porque aqui existia um Palácio Real e isso como que a protegeu. Aquando da ocupação do monumento pelos franceses, o general que o ocupou, Loison, criou normas muito rígidas e muito restritivas de acesso à Biblioteca, de tal maneira que quando cotejamos o que existia em 1755 e o que existia em 1819, praticamente não há faltas. A título de curiosidade ainda hoje existem acessos à biblioteca que estão entaipados.
Por fim, em 1910, com a implantação da República, que corresponde a um outro momento de delapidação do património, aqui acabamos por estar protegidos pela existência de um quartel militar nas instalações do antigo convento. Em momentos diferentes, por circunstâncias específicas, esta Biblioteca manteve-se praticamente preservada e chegou até aos nossos dias como uma grande e importante biblioteca histórica que é.
Pensamos que ela é um importantíssimo elemento que pode ser culturalmente instrumentalizado. Partindo da sua dimensão icónica, passando pelas suas vicissitudes históricas e com o peso do seu acervo ela tem uma aura muito especial. Incorpora em si, também como espaço encantatório, toda uma série de elementos passíveis de vir ser explorados e utilizados dentro desta dimensão identitária que nós naturalmente conotamos com o património.
Já falámos anteriormente sobre os recursos humanos, referiu que existem duas bibliotecárias. Considera importante ter pessoal qualificado nesta área, neste tipo de bibliotecas?
Sim. Aqui, e numa biblioteca como esta, seria fundamental, diria mesmo que é urgente e é premente que venhamos a ter pessoas ligadas à conservação e restauro. Os livros estão muitíssimo bem preservados, ainda agora nos apercebemos de alguns livros que não manuseávamos, livros do século XVII e que estão muitíssimo bem conservados. Quando tateamos o papel, verificamos as óptimas condições naturais de preservação, ficamos impressionados e espantados. Há, no entanto, um problema recorrente nesta Biblioteca e que se prende com as encadernações. Alguns livros necessitariam de intervenção ao nível das encadernações – lombadas, hidratações e rasgões nas capas de pele. De facto, existem alguns problemas em que para os resolver gostaríamos de contar com a presença de conservadores-restauradores. Era importantíssimo que a Biblioteca pudesse contar com especialistas desta área.
O Palácio Nacional de Mafra não conta com técnicos na área da conservação e restauro?
Não conta. É, de facto, uma lacuna em termos de recursos humanos, em termos técnicos sentimos a sua falta efectiva sobretudo para a Biblioteca, seriam extremamente importantes. Temos agora um protocolo com a Fundação Ricardo Espírito Santo, em que há, ao nível da encadernação, uma primeira abordagem e isso pode ser importante até para trazer alunos, devidamente enquadrados pelos professores, até nós.
O exemplo de uma outra situação passa-se com os Livros de Horas que estão a ser devidamente tratados e estudados com a Universidade Nova (na Faculdade de Ciências e Tecnologia, no Curso de Conservação e Restauro). Está no prelo uma publicação sobre este importantíssimo núcleo que aqui existe.
Temos, de facto, algumas intervenções pontuais e que, face aos resultados, nos indicam que o caminho que devemos seguir deverá ser esse.
Qual a relação da Biblioteca com as restantes áreas funcionais existentes? Existe diálogo entre bibliotecários e, por exemplo, educadores?
Temos algumas restrições no acesso aos livros e não temos propriamente um acesso à Biblioteca. Temos programas de oferta temática na programação do Palácio, programas que visam e incidem sobre a Biblioteca. São programas muito procurados e bastante bem conseguidos, em que a Biblioteca é o centro e o objecto da oferta do Serviço Educativo. Temos programas com uma boa receptividade de público infanto-juvenil, porque têm a ver com o mundo fascinante dos livros e com a apadrinhada colónia de morcegos. Existem, pois, alguns elementos encantatórios que nós encontramos para ligar esse público à Biblioteca. Por outro lado, temos outras visitas já não para esse público infanto-juvenil mas para um público mais especializado e que ficam de facto impressionados com a riqueza do acervo.
É um espaço mágico. O sol, no centro, como que marca o alinhamento de todo o Monumento. É, de facto, um espaço muito marcante.
O que procuram os utilizadores que recorrem à Biblioteca? Pode apresentar-nos, em termos qualitativos e quantitativos, os utilizadores?
Temos cerca de vinte a trinta projetos anuais que têm a Biblioteca como centro. A Biblioteca é desconhecida para a grande maioria das pessoas. Temos uma publicação que fizemos aquando da reunião União Europeia-Rússia, no âmbito da Presidência Portuguesa, em que se fez um levantamento sobre um acervo de livros que falam sobre a Rússia e que existem na Biblioteca. É impressionante a quantidade de obras que foram encontradas. Esta Biblioteca é efectivamente muito heterodoxa, eclética, tem de tudo e é isso que impressiona.
Algumas vezes temos assistido a situações em que doutorandos consultam a Biblioteca à procura de um livro e depois acabam, inclusivé, por inflectir a sua tese em função daquilo que encontram. Foi o aconteceu num dos últimos estudos que aqui se fizeram (o que já tive oportunidade de referir e que vai ser agora publicado) e que incide sobre o nosso núcleo, bastante raro, de Livros de Horas de origem francesa.
Esta Biblioteca é muito pouco conhecida em função daquele que é o seu acervo e as potencialidades do acervo nas investigações.
Há toda uma série de projectos, como este projeto que temos protocolado com a universidade brasileira (Fluminense) e o Centro de História de Além-Mar (CHAM) da Universidade Nova de Lisboa, em que têm vindo investigadores brasileiros e que passam aqui algumas temporadas a fazer consultas.
Temos uma relação relativamente frequente com muitos outros investigadores que vieram a Mafra porque alguém lhes deu uma referência sobre a existência de uma obra que poderia ser importante e depois acabam por se deslumbrar, também eles, com a quantidade de elementos que aqui encontram.
É uma colaboração muito estreita e regular das próprias bibliotecárias?
Das próprias bibliotecárias que acabam também elas por se envolver na investigação. Temos uma percentagem elevada de investigadores estrangeiros, o que as leva a ter de ter uma participação mais activa.
Diria que a investigação seria muito mais morosa se não fosse o profundo conhecimento que as bibliotecárias têm deste universo.
Que outras necessidades tem a instituição no âmbito da gestão da documentação e da informação?
Quando falamos de necessidades, pensamos sempre nos recursos humanos e em pessoas especializadas e pensamos também em novas tecnologias e em equipamentos.
Para além dos livros, há toda documentação extremamente importante que é produzida no Palácio até em função da especificidade do próprio Palácio. Por exemplo, nos anos trinta há uma documentação importantíssima de troca de correspondência entre o Palácio e o quartel por causa de uma disputa de espaços. É uma documentação que está exclusivamente arquivada, que não está trabalhada e que possivelmente poderia e deverá ser trabalhada por técnicos do Palácio. Aquando do Centenário da República, fizemos uma pequena pesquisa e encontrámos alguns documentos referentes a despesas da Família Real no próprio dia 5 de Outubro de 1910, antes de partirem para o exílio.
É uma documentação que estando no arquivo morto, não é uma informação morta em termos de conteúdo e de informações que nos pode dar. Recorremos frequentemente a essa documentação para nos inteirarmos do que é que se passou no Palácio e como era o seu quotidiano. É uma documentação que não está tratada, está simplesmente arquivada e tem tido um uso exclusivamente interno.
Que perspectivas para o futuro?
Nós que vivemos este monumento com esta Biblioteca, nós que a sentimos, vivemos e conhecemos, sabemos que é uma Biblioteca extremamente importante. Das mais importantes e temos consciência disso. Todos aqueles que nos visitam, académicos, especialistas ou curiosos acabam por corroborar esta nossa posição. A Biblioteca é, de facto, uma biblioteca de extrema importância em termos daquele que é o seu acervo.
Uma preocupação que temos é conhecer efetivamente, não só através do catálogo de 1819 ou de 1755, mas vir a conhecer a realidade do acervo e a importância que ele tem para a investigações que estão a decorrer e que venha ela mesmo a propiciar novas investigações em função daquilo que for sendo descoberto. Por outro lado, não podemos esquecer que a nossa principal preocupação que se prende com a nossa missão é a sua conservação. Essa é a nossa primeira prioridade porque tudo advirá em função da forma como é feita.
Temos perspectivas de algumas colaborações, cooperações ou parcerias que estão a ser negociadas, diríamos que estão em cima da mesa.
Por exemplo, perspectivas de colocar o catálogo em linha?
Sim. Esta semana foi lançado o novo site do Palácio e há uma divulgação que vamos começar a poder fazer. Em breve colocaremos em linha o Catálogo de 1819, que já está digitalizado, esperando vir a manter alguma regularidade na divulgação de obras emblemáticas, projectando-a para um lugar em que ela nem sempre está e que é entre uma das mais importantes.
A Biblioteca tem uma forma de organização impressionante e nós temos um manuscrito do século XVIII que nos diz como ela deveria ser organizada. Está digitalizado e é um manuscrito que nos diz o sítio onde devem estar os diferentes temas, as bíblias de um lado, o Direito do outro, onde deverão estar os livros de Medicina ou de Astronomia… com uma organização que ainda hoje é respeitada.
Estamos agora a tentar perceber como é que esta Biblioteca se forma e em que os Oratorianos parece terem tido um papel importante. Entram em contacto com os livreiros mais importantes que existem em toda a Europa com a indicação de encomendar e comprar o que há de melhor. Hoje sabemos que há bibliotecas particulares que foram compradas integralmente em cidades como Basileia e Amesterdão. Hoje procuramos reconstituir algumas dessas bibliotecas. É um estudo que está por fazer e é um estudo extremamente importante porque existem determinados super liber de que temos algumas centenas de livros e que são livros de altíssima qualidade. Com um destes, de Basileia, por exemplo, temos a edição das obras de Petrarca.
É impressionante o acervo que a Biblioteca tem e tudo isto está como reserva.
Dos núcleos mais importantes, temos o núcleo dos Livros Proibidos que é verdadeiramente impressionante e onde se vai encontrar de tudo, de altíssima qualidade, que foi produzido durante o século XVI e século XVII e mais tarde proibidos pelo Index.
O que existe nos domínios da Literatura de Viagens, da Cartografia, da Astronomia é notável e, a mesma coisa, ao nível da Medicina. Existem diferentes áreas dentro da cultura clássica, como, por exemplo, primeiras edições do século XVI das teorias aristotélicas e é isso que singulariza a Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra.
Nós respeitamos a catalogação do século XIX. Através do catálogo do século XIX, encontramos sempre o livro que procuramos.
Outra biblioteca que é importantíssima dentro desta Biblioteca é a biblioteca de Possidónio da Silva que foi doada ao Palácio. Nela podemos ver e conhecer o que lia um dos pioneiros do estudo património cultural português, como é que um erudito do século XIX estruturou o seu pensamento através das obras que consultava, através da sua biblioteca.
Temos também um arquivo que nos foi doado há pouco tempo que é o arquivo de Júlio Ivo e que está a ser neste momento estudado e tratado com voluntários.
Podemos dizer que o Palácio tem um acervo que são as peças que tem em exposição, tem uma parte de arquivo e depois o acervo bibliográfico propriamente dito?
Sim. E temos outro acervo sobre música. É um acervo importantíssimo (a exposição do Marcos Portugal que esteve na Biblioteca Nacional abria com dois Livros de Coro da Biblioteca do Palácio de Mafra). Para além de várias peças de Marcos Portugal, algumas para os seis órgãos da Basílica, não podemos deixar de ter presente que no século XVIII há uma irradiação do Cantochão a partir de Mafra. Não imagina a quantidade de livros de música que temos dessa época, que eram feitos cá e de que ainda conservamos as estampas com que eram feitos esses livros. Todos estes núcleos são parte integrante da Biblioteca.
A Bibioteca tem também uma componente simbólica. No centro do Cruzeiro está o Sol exactamente alinhado com o Altar-mor e com o sol que está depois no pavimento à saída da Basílica. Há toda uma dimensão cósmica que ali também está arquitectonicamente e iconicamente representada.
Nota biográfica de Mário Pereira
Licenciado em História. Iniciou a sua relação com o Património ainda no Instituto Português do Património Cultural. Manteve-se, durante alguns anos, como colaborador do IPPAR. Director de Projecto na Expo’98, como coordenador da exposição temática do Pavilhão do Conhecimento dos Mares. Presidente da Comissão Instaladora do Pavilhão do Conhecimento (02/02/99 a 31/12/99). Docente convidado no I.S.C.T.E. Subdirector do Instituto Português de Conservação e Restauro. Director do Palácio Nacional de Mafra – desde Setembro de 2008. Tem vários trabalhos publicados na área do Património.