António Jorge Gonçalves  © AJG
António Jorge Gonçalves © AJG

É avesso a fronteiras rígidas. Talvez por isso seja tão multifacetado no trabalho que tem desenvolvido. António Jorge Gonçalves tem trabalhado nas áreas da ilustração, cartoon, banda desenhada, fotografia e desenho digital ao vivo. Nesta vertente criativa tem participado em inúmeros projectos teatrais e musicais, tanto em Portugal como no estrangeiro. O projecto Subway Life, no qual desenhou pessoas sentadas em carruagens do Metro em várias cidades do mundo, tornou-se um caso de sucesso, tendo o premiado site recebido mais de 5 milhões de visitas. Na área editorial os traços de António Jorge Gonçalves deixam uma marca reconhecível. Nas parcerias com Rui Zink ou Ondjaki, por exemplo, ilustração e texto confundem-se e diluem-se na história que é maior do que a “ideia omnipresente de fronteiras”. Os conceitos “romance gráfico” ou “novela gráfica” robustecem-se e experimentam-se no sentido colectivo e de envolvência criativa que António Jorge lhes dá. A poucos dias de receber o Prémio Nacional de Ilustração DGLAB, referente a 2014, e ainda no rescaldo do Dia Internacional do Livro Infantil, o “Notícia BAD” esteve à conversa com António Jorge Gonçalves.

Ganhou o Prémio de Ilustração da DGLAB e este ano foi convidado para elaborar o cartaz, que está espalhado por todas as bibliotecas do país, sobre o Dia Internacional do Livro Infantil. O que o inspirou nessa ilustração?

O desenho incorpora trabalho gráfico meu numa primeira proposta que ficou pelo caminho e a apropriação (consentida) de um desenho da minha filha Miranda de 6 anos. Está lá o prazer da leitura, e a liberdade imaginativa que um livro pode ter nessas idades em que pode ser tanta coisa (narrativa, jogo, actividário, adereço de brincadeira…).

Ilustrou há relativamente pouco tempo o livro de Carla Maia de Almeida, “O Irmão Lobo”, para um público juvenil. As preocupações e motivações de um ilustrador são sempre as mesmas? O que muda na realidade ilustrada quando mudam as faixas etárias, as perspectivas de vida, a maturidade de quem vê a ilustração?

Esta ideia omnipresente de fronteiras que colocamos quando falamos de infância e juventude é-me estranha: qual é a dúvida? É absolutamente normal ajustarmos a forma do nosso discurso consoante o nosso interlocutor (não falo da mesma forma com a minha amante, a minha mãe ou a minha parceira profissional). É tão simples como isso: comunicarmos de forma clara com os nossos interlocutores. Não faço autocensura em qualquer das actividades em que uso o desenho (cartoon político, novelas gráficas, desenho digital em espectáculos) mas, enquanto trabalho, tenho presente a imagem de um “leitor ideal” que talvez seja um pouco uma autorepresentação. Porque “nós” também somos “os outros”. E eu gosto do exercício de me imaginar com 4 anos, ou 70.

Cartaz do Dia Internacional do Livro Infantil 2015 © DGLAB
Cartaz do Dia Internacional do Livro Infantil 2015
© DGLAB

Muitas vezes as ilustrações são consideradas como algo secundário ao livro. O que é uma ilustração num livro? Que papel tem? O que é que uma ilustração traz a um livro, ainda que o autor não lhe reconheça um papel principal?

De que estamos a falar quando falamos de ilustração? Num álbum ilustrado o desenho pode ser mais importante na condução da narrativa do que as palavras escritas. E se pensarmos, por exemplo, no livro de Maurice Sendak, Onde vivem os monstros, em que escritor e desenhador são a mesma pessoa?

Os melhores livros que conjugam imagem e texto são fruto de um trabalho a quatro mãos: desenhos e palavras completam-se para compor uma narrativa. Foi assim o meu trabalho com o Ondjaki para a criação de Uma Escuridão Bonita, ou com o Rui Zink nas novelas gráficas que fizemos.

Claro que existem livros em que o editor foi buscar um ilustrador para tornar o livro graficamente mais apelativo. Mas esses interessam-me pouco.

Cláudia Henriques

 

 

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