Zélia Parreira

Li com muito gosto o artigo de opinião do colega Gaspar Matos sobre as suas leituras de Verão, na medida em que ele recupera  uma das nossas mais importantes características (não queria chamar-lhe função), tantas vezes descurada: o prazer de ler.

Confesso ter sérias reticências perante um bibliotecário que não gosta de ler, por várias razões que passo a enunciar:

  1. imagem para zeliaDe todas as formas de incutir comportamentos no Outro, a melhor continua a ser o exemplo. Os pais sabem disso quando tentam educar os filhos, os professores sabem disso quando tentam ensinar o aluno, os bibliotecários sabem disso quando tentam formar Leitores. Não é possível convencer alguém a ter interesse em algo que não nos entusiasme, que não nos arrebate, que não consigamos saborear.
  2. É função do bibliotecário orientar Leitores. Aconselhá-los, dar-lhes o que procuram, mas também ajudá-los a elevarem-se, a progredirem enquanto leitores. Abrir portas, caminhos, veredas.
    Preocupa-me que as bibliotecas procurem reproduzir, sem grande espírito crítico, os tops de vendas das livrarias. Sim, devemos dar ao leitor o que lhe interessa, mas sim, temos o dever de o apresentar a novos escritores, novos temas, novas ideias. Ser, de alguma forma, mentores, inspiradores. E nenhum bibliotecário poderá jamais ambicionar ser “inspirador” se ele próprio não for um Leitor informado, diversificado, curioso, crítico.
  3. A nossa matéria-prima é o Livro. Independentemente do seu suporte físico, da forma, do género, da cor… Na verdade, a nossa existência deve-se ao Livro. Ao Livro, sim,  enquanto essência: partilha e transmissão de ideias, ideais, vivências, conhecimento.
    Até que ponto, a “pele” de gestores que vestimos hoje em dia, não nos dá do livro a perspectiva de um objecto que é apenas movimentado daqui para ali, um dígito na coluna das existências contabilísticas, deixando para trás o seu verdadeiro e incomensurável valor? (Declaração de interesses: fala uma bibliotecária viciada nas tarefas técnicas, quase contabilísticas do tratamento documental).
    Quero acreditar que, nesta procura desenfreada em que todos andamos pelo que deve ser um bibliotecário no século XXI, não nos vamos esquecer da nossa primeira razão de existir: ser mediador de leitura, de informação, de conhecimento. Ser a ponte, o elo de um casamento feliz entre o leitor e os seus livros.
  4. Talvez seja presunção minha (e do Gaspar, certamente), mas acredito que a profissão de Bibliotecário tem um perfil intelectual. Não falo do Senhor Intelectual de nariz empertigado que emprega uma linguagem de termos técnicos, mas do Homem que pensa, que usa o intelecto, que reflecte sobre o mundo e que acredita que a pena pode mais do que a espada. E para isso, meus amigos, é preciso ler, ler, ler, ler, ler, ler… Ou melhor, isso decorre do imenso e indescritível privilégio de poder ler, ler, ler, ler, ler, ler…

Finalmente, gostaria de ver o exemplo que o Gaspar inaugurou, seguido por outros bibliotecários. Eu prometo contribuir dentro de alguns meses. Entretanto, vou guardar estas sugestões (e todas as que se seguirem) para a minha lista de “A ler”.

Obrigada, Gaspar!

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