A BAD junta-se à sociedade civil num apelo aos deputados da AR para não delegarem no Governo a transposição da Diretiva de Direito de Autor. A Diretiva afeta a liberdade de expressão online, devendo ser discutida e aprovada no Parlamento.
Exmos.(as) Senhores(as) Deputados(as),
Esta semana é votada na Assembleia da República uma proposta de autorização legislativa em que a Assembleia autoriza o Governo a legislar sozinho a transposição da Diretiva relativa aos Direitos de Autor e Direitos Conexos no Mercado Único Digital1.
Esta Diretiva regula aspetos essenciais da vida em sociedade, com impacto em direitos fundamentais, como sejam o direito à liberdade de expressão e de informação e o direito à educação, o que deveria exigir um amplo e participado debate público. Por ser matéria de direitos fundamentais, a competência caberia à Assembleia da República. Contudo, a ser aprovada esta autorização legislativa, a Assembleia abdica da sua função legislativa e delega no Governo a transposição de uma das iniciativas legislativas europeias mais polémicas e controversas dos últimos anos, sem os contributos e melhorias que a discussão pública na Assembleia da República poderia acrescentar àquele diploma.
Quando a primeira proposta de transposição (Proposta de Lei 114/XIV/3) deu entrada na Assembleia da República, em setembro de 2021, um dos objetivos foi precisamente a realização de uma consulta pública na Assembleia da República: “atenta a matéria, em sede do processo legislativo a decorrer na Assembleia da República devem ser ouvidos(…), devendo, ainda, a presente proposta de lei ser submetida a consulta pública.” (p.6).
Contudo, certo é que ainda não foi realizada qualquer consulta pública ou audiência parlamentar relativa à presente proposta de transposição.
No passado dia 11 de outubro foi realizada uma Conferência Parlamentar intitulada “Direitos de Autor e Direitos Conexos na Era Digital”. Nela participaram 8 (oito) entidades representantes dos interesses dos titulares de direitos2, a APRITEL e a Google. Não foi ouvida nenhuma entidade da sociedade civil. Isto pese embora os próprios serviços da Assembleia da República, na nota técnica (p.15 e 16) que acompanha a proposta de lei, terem sugerido a consulta a entidades da sociedade civil, incluindo associações de defesa de direitos digitais, de defesa do consumidor, e de juristas. A sociedade civil foi excluída.
Cremos que uma transposição por via de decreto-lei governativo, sem que a Assembleia da República tenha sequer aberto o texto a melhorias ou discutido o detalhe do seu conteúdo, diminui as garantias de transparência do processo legislativo. Uma transposição por via governativa não garante a mesma pluralidade de intervenientes, ideias e perspetivas. Na Assembleia da República, a participação dos deputados no processo legislativo proporciona uma representatividade mais alargada dos cidadãos que os elegeram precisamente para essa função, da qual não devem abdicar.
A casa da Democracia é também o local mais apropriado para abrir processos de consulta pública, realizar audiências e discutir posições de forma pública e transparente. Pelo contrário, o processo legislativo por via de decreto-lei é mais opaco. A ser aprovada esta autorização e caso a consulta pública venha a ser realizada pelo Governo, arrisca-se a ser um mero endereço de correio eletrónico para onde podem ser remetidos documentos. Sem audiências, sem apresentação e discussão de propostas, sem discussão pública do diploma. A valorização da cidadania e a promoção da participação cívica no processo democrático só é alcançável com a possibilidade de uma participação substancial e efetiva da sociedade civil, não se compadece com consultas públicas cumpridas por mero formalismo.
Recordamos que a transposição proposta pelo Governo não aproveita grande parte daquilo que o legislador europeu entendeu dar aos Estados-Membros nas várias áreas da diretiva. A título de exemplo, o caso do famoso artigo 17, sobre o qual já se debruçou o Tribunal de Justiça da União Europeia e cuja decisão assenta em vários pressupostos que têm de ser cumpridos no processo de transposição, nomeadamente no que respeita a garantias e salvaguardas relativos aos direitos dos utilizadores das plataformas, mas que não estão refletidos na proposta de transposição apresentada pelo Governo.
Apelamos, assim, a V.Exas que votem no sentido de a transposição da Diretiva (UE) 2019/790 ser realizada por via parlamentar.
23 de janeiro de 2023
- Associação Nacional para o Software Livre (ANSOL)
- Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI)
- Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD)
- Capítulo Português da Creative Commons
- Capítulo Português da Internet Society (ISOC PT)
- COMMUNIA International Association for the Public Domain
- Comunidade Ubuntu Portugal
- D3 – Defesa dos Direitos Digitais
- Knowledge Rights 21
- Open Knowledge Portugal
- Wikimedia Portugal
Assinaturas posteriores:
Associação de Empresas de Software Open Source Portuguesas (ESOP)
1Diretiva (UE) 2019/790, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019.
2 A saber: Gestão dos Direitos dos Artistas (GDA), Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), Associação para a Gestão Coletiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais (Gedipe), Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos (Audiogest) Gestão dos Conteúdos dos Media (VisaPress), Plataforma dos Media Privados (PMP), Associação Portuguesa de Radiofusão (APR), Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (FEVIP).
Versão em PDF