Para vos descrever a minha vida profissional termos que recuar um pouco no tempo.
Recuando ao ano de 1983 e eu com 22 anos e na altura com o 2º ano do Curso Complementar dos Liceus, atual 11º ano, inscrita no IEFP- Instituto de Emprego e Formação Profissional de Évora, fui convocada para uma entrevista de emprego.
A entrevista foi muito agradável e nela fui informada que iria decorrer uma formação, em Lisboa, para Técnicos Auxiliares de BAD, ministrada pela BAD, a qual decorria de um convénio entre o ex-IPPC (Instituto Português do Património Cultural) e a União das Misericórdias Portuguesas. No final da formação teria emprego garantido, a formação era comparticipada e os locais de trabalho eram na área da residência dos formandos, uma vez que era uma iniciativa a nível nacional.
Sinceramente nunca tinha pensado em trabalhar nesta área. O único contacto que tinha com este tipo de serviços era a frequência, assídua, na Biblioteca Pública de Évora onde enquanto aluna me deslocava inúmeras vezes para fazer trabalhos escolares ou estudar com outras colegas.
No entanto, fiquei entusiasmadíssima.
Após a entrevista, primeira abordagem aos candidatos, passámos por testes psicotécnicos seguidos de exames médicos, para os elementos selecionados. Eu fui uma delas.
Segui para Lisboa, Avenida D. Carlos I, onde frequentei o Curso durante 3 meses. Terminado esse período fomos colocados em três Arquivos de Misericórdias do Alentejo, eu e mais 5 colegas alentejanos. Dois foram colocados em Redondo, um no Alandroal e três em Alcáçovas, fazendo eu parte desta última equipa.
Chegámos ao Arquivo da Misericórdia de Alcáçovas, instalado no 1º andar da Farmácia local, onde estava toda a documentação sem qualquer organização, coberta de pó, excrementos de pombos, etc. Havia que lançar mãos à obra, sem medo! O entusiasmo era enorme.
Por ali permanecemos 6 meses e quando saímos tínhamos a certeza de que nada ficou por analisar, todos os documentos foram higienizados e descritos. As aulas de paleografia foram bastante úteis e os documentos ganharam nova vida. A Misericórdia de Alcáçovas recebeu-nos e sempre apoiou da melhor forma o nosso trabalho.
Como a equipa colocada em Redondo ainda não havia concluído o trabalho fui transferida para aquele Arquivo para dar apoio aos colegas. Também ali tudo correu da melhor forma e passados mais 6 meses, após conclusão da organização, descrição e acondicionamento das espécies, transferimo-nos para o Arquivo da Misericórdia de Évora, que se encontrava, e encontra, à guarda do Arquivo Distrital de Évora. Deu-se início a novo levantamento da documentação, organização e descrição da documentação. Contudo, passados poucos meses a União das Misericórdias informou-nos que não dispunha de verba para dar continuidade ao trabalho.
Grande desilusão, para todos!
O trabalho que foi desenvolvido ao abrigo deste convénio era supervisionado tecnicamente, no Alentejo, pelo Diretor da Biblioteca Pública de Évora, Dr. Leandro Alves e pela Técnica Superior Dra. Isabel Cid. Os dois técnicos ao tomarem conhecimento da decisão da União das Misericórdias, que na altura passou a Instituto Rainha D. Leonor, para além de lamentarem o sucedido tentaram fazer tudo o que estava ao seu alcance para dar continuidade ao processo. Mas, infelizmente, não houve qualquer hipótese. Eu e os meus colegas ficámos mesmo na situação de desemprego.
A Biblioteca Pública e o Arquivo Distrital de Évora, na altura, eram uma única Instituição, pelo que, em setembro/outubro de 1986, com o Dr. Leandro Alves, já reformado, e a Dra. Isabel Cid, como Diretora, fui contactada por esta última e proposto o meu ingresso naquela Instituição.
Não podia ter ficado mas feliz!
Comecei a trabalhar na Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora no dia 1 de novembro de 1986 e por ali permaneci durante 9 anos. Fui muito feliz e adorei trabalhar naquela casa onde muito aprendi com uma mestre que guardo com o maior respeito e consideração e a quem devo tudo o que hoje sou profissionalmente (não só pelos ensinamentos que me proporcionou adquirir, enquanto ali trabalhei, mas, pelo apoio e incentivo para progredir na carreira).
Como sabemos, no mundo nada é perfeito, e como tal, ainda que eu me sentisse tão realizada no meu trabalho, permaneci os 9 anos, já referidos, na Biblioteca Pública/Arquivo Distrital de Évora, como tarefeira e a ambicionada entrada no Quadro da Instituição não aconteceu.
Havia que tomar uma decisão. Procurar novo caminho!
Candidatei-me a concurso de Técnico Adjunto de Arquivo, para a Câmara Municipal de Évora, do qual tomei conhecimento através da imprensa local, e fui selecionada.
Dia 3 de junho de 1995 entrei para a autarquia eborense.
Novo desafio!
Na Câmara Municipal de Évora nunca havia existido um arquivista com formação. Uma enorme massa documental encontrava-se depositada nos forros do edifício central sem qualquer tipo de organização. O funcionário era apenas um, já com alguma idade, e sem qualquer formação.
O Arquivo pertencia ao Serviço de Expediente, como a maioria na época. A Chefia revelou-se completamente disponível para responder ás minhas propostas, como: aquisição de estantes metálicas e instalação do Arquivo num novo espaço.
Atualmente, o Arquivo possui sete salas de depósitos, catálogo online, disponível na intranet da Câmara, alguma da documentação já se encontra disponível na plataforma Atom, possui uma página no site da Câmara Municipal de Évora, e está integrado na Rede Portuguesa de Arquivos.
A partir de 2003, o Arquivo Municipal Eborense, criou o seu próprio Regulamento e em 2008, passou a dispor de uma Sala de Leitura e porta aberta ao exterior.
Ainda em 2008, organizei o 8º Encontro Nacional de Arquivos em Évora e eu iniciei a licenciatura em Ciências da Informação e Comunicação.
Em 2011, apresentámos uma série de Conferências, mensalmente, as quais versavam temas sobre os quais os Conferencistas haviam utilizado documentação à guarda do Arquivo. A arquivista concluiu a sua licenciatura.
Em 2013, dei inicio ao Mestrado em Gestão e Valorização do Património Histórico e Cultural, dada a necessidade que sentia em querer saber/aprender como valorizar todo o património documental que tinha à minha guarda. Conclui em 2015.
A partir de 2016, o Arquivo Distrital de Évora, criou uma Rede de Cooperação entre Arquivos a “Rede de Arquivos do Alentejo- Secção do Distrito de Évora (RAA-DE) com o objetivo de monitorizar a atividade dos arquivos existentes na região e difundir boas práticas através da realização de reuniões periódicas entre o Arquivo Distrital e os restantes membros da Rede. O Arquivo Municipal de Évora faz parte da Rede e a representante da Câmara Municipal de Évora, Arquivo Intermédio, sou eu. Penso que efetivamente a entrada nesta Rede foi uma mais valia para este e todos os outros arquivos, permitindo-nos apoiarmo-nos nos restantes sempre que alguma dúvida nos surge e realizar trabalhos em parceria.
Em 2019, resolvi candidatar-me ao Doutoramento em História Contemporânea, que estou a desenvolver em simultâneo com o “Projeto de Salvaguarda dos Arquivos Associativos na cidade de Évora”, no Arquivo Municipal de Évora. Foram já inventariados seis arquivos associativos da cidade. O Projeto foi apresentado no 1º Encontro Memória para todos, em 2019, no Teatro Aberto, em Lisboa, e em 2024 no II Encontro Nacional de Arquivos de Associações de Cultura, Recreio e Desporto: Desafios da memória arquivística, em Sacavém. A sua conclusão e divulgação aos eborenses, foi apresentada em 17 de junho de 2024, no Palácio D. Manuel, em Évora.
Como podem calcular muitos obstáculos foram ultrapassados para que estes resultados fossem obtidos.
Contudo, se pensar qual o maior desafio que me foi proposto, talvez por ter sido o mais recente, posso referir o da implementação da MEF (Macroestrutura Funcional) com aplicação nas autarquias locais e HABÉVORA (Empresa Municipal de Habitação). A nova classificação apresentou a resistência normal de qualquer mudança proposta, mas, felizmente, deu inicio em maio de 2024 e até agora sem problemas.
O Arquivo Municipal de Évora é um Arquivo Intermédio, atualmente na dependência da DCP-Divisão de Cultura e Património, onde a documentação mais procurada pelos utilizadores externos são os processos de obras municipais, razão pela qual temos como objetivo, em curso, a sua digitalização. Já temos disponíveis os do século XIX.
Como projeto para o futuro pretendemos classificar a série “Atas da Câmara” depositadas no nosso Arquivo Histórico, à guarda do Arquivo Distrital de Évora, como Tesouro Nacional.
O 25 de abril de 1974 trouxe aos arquivos nacionais uma maior liberdade e autonomia para testemunhar de forma aberta e sem quaisquer enviesamentos políticos ou ideológicos as ações das entidades que os produzem. No caso do Arquivo eborense, foram promovidas diversas exposições, criaram-se catálogos e participou-se em Encontros e Congressos nos quais tive o privilégio de, na minha condição de arquivista, partilhar o conhecimento acumulado nesta área tão relevante.
Esta entrevista insere-se na iniciativa “Memórias da Profissão no Alentejo” dinamizada pela Delegação Regional do Alentejo.